Entrevista com o Autor


Dra. Maria Cristina Neiva de Carvalho
em 22/05/2007

Psicologia Jurídica

Maria Cristina Neiva de Carvalho é Psicóloga; Mestra em Psicologia da Infância e Adolescência – UFPR; Professora do curso de Psicologia – PUCPR; Coordenadora; Professora e Orientadora de Monografias do curso de Especialização em Psicologia Jurídica PUCPR. Organizadora juntamente com a Dra. Vera Regina Miranda, da obra "Psicologia Jurídica - Temas de Aplicação".

1- Qual a importância da Psicologia junto ao Direito na atualidade?
R:
Analisando a relação histórica entre o direito e a psicologia, observa-se que já com o direito positivo, este observou a necessidade de parceria com campos do conhecimento que fornecessem subsídios específicos relativos às funções mentais do indivíduo autor de crimes. Para isso o direito estabeleceu parcerias com a psiquiatria e a psicologia, que colaboraram com os estudos da mente e subjetividade para aclarar o comportamento criminoso, auxiliando assim nas decisões judiciais.
Atualmente observa-se a necessidade desta parceria em outros campos do direito, além do criminal. A psicologia pode auxiliar os profissionais jurídicos em vários contextos: varas de família, varas de infância e juventude, varas do trabalho, escritórios de advocacia, instituições de execução de penas, perícias, vitimologia, instituições de segurança pública, nos estudos sobre reformulação das leis, e até mesmo na formação dos profissionais de direito, dentre outras possibilidades.
A importância desta integração entre a psicologia e o direito reside no fato que a lei é elaborada por seres humanos, é seguida ou não por seres humanos e neste segunda caso, os fatos serão analisados por seres humanos. Isto é, o homem é autor, ator e juiz das leis. E o homem não segue o paradigma da linearidade da lei, pois ele é um ser complexo, que age em função de sua subjetividade. E a ciência responsável pelo estudo e intervenção junto ao comportamento humano é a psicologia.

2- Abordando o assunto da reinserção familiar, como se tem dado o abrigamento de crianças em instituições e o posterior retorno às suas famílias de origem?
R:
Esta é uma das problemáticas mais importantes a serem enfrentadas pelos profissionais envolvidos e pelo governo, representado pelas suas políticas públicas. A questão da criança em situação de risco psico-social é uma das variáveis fundamentais para a violência que encontramos em nosso país. Como conseqüência da miséria, desemprego, carência de creches e escolas, falta de atendimento adequado à saúde, dentre outros fatores, aumentam dia-a dia os casos em que os conselhos tutelares reconhecem a necessidade do abrigamento, encaminhando-os à Vara de Infância e Juventude.
Como de acordo com o Estatuto da Criança e Juventude, a pobreza não é motivo para a destituição do poder familiar, pois as famílias devem dispor de programas sociais que viabilizem a criação e educação de seus filhos, o “aparato” jurídico, procura de todas as formas, seguir o ECA. Este processo é extremamente moroso, pois o simples encaminhamento a atendimento de saúde, por exemplo, de um pai dependente químico e desempregado, que agride seus filhos, não significa que ele procure este atendimento ou até mesmo que haja vagas disponíveis. Este fato, conduz a uma série de abrigamentos e desabrigamentos, cujo processo pode durar anos. E, na maioria das vezes, quando o juiz determina a perda do poder familiar, a criança já se encontra numa idade em que suas chances de ser adotada são quase nulas. Estas crianças que durante sua infância foram “ filhos de ninguém” e agredidas física e/ou psicologicamente, algum dia vão reclamar seus “direitos”, mesmo que seja com uma arma na mão.

3- Por que a adoção tardia onde a criança conta com mais de dois anos de idade é mais complexa que a adoção de um recém-nascido?
R:
A literatura de psicologia do desenvolvimento é unânime ao afirmar que os primeiros anos de vida são fundamentais para a saúde física e emocional do indivíduo. É neste período que vai se delineando a individualidade e subjetividade da criança, sendo que quanto mais idade tiver, mais difícil se torna compensar os danos sofridos na infância precoce. Portanto sua “forma de ser” já demonstra certa estabilidade, o que exige do candidato à adoção, muito mais disponibilidade, paciência, dentre outros atributos. Todo este processo acaba tornando a adoção mais complexa para ambas as partes.

4- O fato de a justiça permitir adoção por homossexuais ocasionará algum impacto para a personalidade da criança?
R:
Como a adoção por homossexuais é fato muito recente em muitos países, e raro no Brasil, ainda não se têm número suficiente de estudos longitudinais em longo prazo sobre suas conseqüências. No entanto, pode-se refletir sobre alguns aspectos:
- para um bom desenvolvimento psíquico, toda criança precisa de amor, proteção, limites e regras. Se o casal homossexual, ou um deles, conseguir oferecer estes quesitos, o desenvolvimento, poderá não ter grandes dificuldades.
- com relação à identidade sexual, a criança não terá em sua família, o contato com os dois modelos, o que poderá dificultar suas definições neste sentido.
- na sociedade ainda existem muitos preconceitos, discussões e marginalização dos homossexuais, e por este aspecto, a criança certamente teria dificuldades bastante significativas em seus relacionamentos sociais, as quais poderiam acabar afetando seu desenvolvimento.

5- Por que razão é cada vez maior o comportamento anti-social e os atos delinquenciais protagonizados por menores?
R:
Além dos aspectos já abordados na segunda pergunta relativa às crianças em situação de risco psico-social, claramente podemos identificar outras variáveis determinantes no ato infracional de adolescentes. Um deles refere-se à cultura do imediatismo e consumismo, bastante difundida nos últimos anos: “eu tenho que ter, e agora”. Se o adolescente não tem os recursos para adquirir o que a mídia “sugere”, ele vai encontrar outros meios para satisfazer sua “necessidade”. E, mesmo que ele vá ter os recursos daqui a pouco, não pode esperar, e, da mesma forma vai em busca do prazer imediato.
Outro aspecto refere-se à problemática das drogas, pois se observa que quase a totalidade de adolescentes com prática infracional, comete a infração por estar sob efeito de drogas, ou para obter recursos para comprá-la ou ainda, o próprio tráfico de drogas é a infração.
A crise de valores, a impunidade reinante em nosso país e o conseqüente descrédito da população pela efetivação das leis, também atinge os adolescentes, que pela própria fase de desenvolvimento estão pré-dispostos ao enfrentamento das normas. Só que com este panorama atual de impunidade, vão até as últimas conseqüências, como um homicídio.
O Brasil é um país jovem, e não tem estratégias e programas suficientes para suas crianças e adolescentes, que se tornam também “jovens abandonados”- sem amor e sem limites.

6- Guardar a criança significa dar-lhe o sustento, a moradia, a escola, o afeto, o direito de brincar, o direito de viver com dignidade. Quando essa guarda é compartilhada, a criança “guardada” fica suscetível a sofrer alguma implicação psicológica?
R:
A guarda compartilhada implica que todas estas funções citadas serão realizadas concomitantemente pelo pai e pela mãe. Em termos práticos isso pode trazer algumas dificuldades, em termos de horário, locais, rotinas, etc. Deve-se cuidar para não estabelecer o compartilhamento de maneira rígida e que ocasione outros transtornos para a criança. Cada fase do desenvolvimento da criança exige cuidados específicos para sua rotina. Por exemplo, para uma criança muito pequena não é adequado passar uma semana em cada casa.
Mas, a importância maior é a abertura para o diálogo entre os pais sobre as questões da guarda, com serenidade, respeito mútuo e pelos direito da criança. Mas infelizmente, na prática, mesmo que os pais optem por este tipo de guarda, se observa que o litígio da separação se transfere muitas vezes para a função parental.

7- Como a Psicologia tem auxiliado os Magistrados a enfrentarem os conflitos inerentes à profissão e até mesmo conflitos na vida privada?
R:
Certamente a magistratura é uma carreira dificílima, pois apesar de se julgar “atos” está se julgando também o seu autor. E esse autor do crime, ou de uma disputa de guarda, etc., não é um ser simples. A lei é muito mais simples do que seu executor e seu julgador. Isto é, o ser humano é resultado de uma rede de variáveis etiológicas que colaboram para todos os seus atos, por isso julgá-los é bastante complexo.
Uma das formas de auxiliar diretamente no trabalho dos juízes, é o psicólogo fazer parte da equipe técnica que o assessora, realizando estudos psicológicos sobre os fatos e personagens do fato jurídico. Além disso seria fundamental a presença de disciplinas da psicologia na formação de magistrados, para instrumentalizá-lo a compreender mais amplamente seu objeto de trabalho e consequentemente escolher decisões apropriadas ao caso. Neste sentido a psicologia também pode auxiliar o magistrado a refletir sobre o impacto psicológico da função em sua vida particular, focalizando a saúde ocupacional.
Sabe-se que no Brasil ainda é rara a presença de psicólogos nos cursos de magistratura, mas o Ministério da Educação deu o primeiro passo, orientando aos cursos de Direito ofertarem a disciplina de psicologia.