Entrevista com o Autor


Dra. Maria Francisca Carneiro
em 18/03/2009

Metodologia e Pesquisa Jurídica

 

Maria Francisca Carneiro é Doutora em Direito; Mestra em Educação; Bacharela em Filosofia; pós-doutoranda em Filosofia. Tem lecionado em cursos de pós-graduação lato sensu e mestrado em Direito, em diferentes instituições públicas e privadas. Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. Autora das obras "Pesquisa Jurídica - Metodologia da Aprendizagem. Aspectos, Questões e Aproximações", "Direito & Lógica - Temas de Direito Perpassados pela Lógica", "Pesquisa Jurídica na Complexidade e Transdisciplinaridade", "Teoria e Prática da Argumentação Jurídica - Lógica, Retórica", "Poesia, Metapoesia e Quasepoesia".

 

1- Qual a diferença entre o conhecimento comum e o conhecimento científico no Direito?
R:
O conhecimento comum foi chamado por Aristóteles de conhecimento dóxico. Dóxa, em grego, significa “opinião”; refere-se às convicções pessoais, individuais e subjetivas que as pessoas possam ter sobre as coisas e os fatos, como conseqüência de suas experiências. Já o conhecimento científico, ainda para Aristóteles, é o chamado conhecimento epistêmico. Epistéme, em grego, significa “saber”. Mas não é um tipo de conhecimento qualquer; trata-se de um conhecimento de tal modo formulado que tenha validade independentemente da opinião do sujeito. Este é o conhecimento científico e se caracteriza pelo emprego de um método, no caso, à pesquisa jurídica. 
 
2- O que é método e como se aplica ao Direito?
R:
Método é um meio, um caminho para atingirmos determinado fim. A Metodologia é o estudo dos métodos e das técnicas, é uma espécie de logos da pesquisa. O método é conceitual, enquanto que as técnicas são ferramentas operacionais. O problema do método científico no Direito é que seu bojo é a própria sociedade, eivada de viéses e valores. Portanto, na pesquisa jurídica é preciso produzir ciência em um contexto onde não há neutralidade ou isenção de valores.

3- Por que a pesquisa jurídica é cada vez mais transdisciplinar e complexa?
R:
Gostaríamos de ressaltar a consolidação, ao longo destes últimos dez anos, da transdiciplinaridade e da complexidade no âmbito da investigação metódica do Direito; uma tendência já há um bom tempo preconizada que, com efeito, tem sido levada a cabo.

A transdisciplinaridade e a complexidade, na pesquisa jurídica, mais que uma conseqüência das transformações da sociedade e da ciência, significam alteração do método. O enfoque transdisciplinar e o pensamento complexo implicam um talhe renovado das temáticas, então chamadas “transversais”, em eixos reestruturados do conhecimento. Para isso, é preciso antes chegar a um acordo sobre essa reestruturação dos temas, o que caberá a cada estudioso realizar em consonância com o entendimento do professor-orientador da pesquisa.

Os temas ditos “transversais” delimitam diferentes campos de observação, capazes de permitir uma avaliação adequada, bem como a descrição satisfatória dos conceitos e elementos que o compõem. Todavia, em face da complexidade, faz-se necessária a integração dos temas transversais, onde as partes relacionam-se entre si e para com o todo, como em uma teia aberta. Não há possibilidade de se trabalhar sistemas fechados, aplicando-se a transdisciplinaridade e a complexidade ao método do Direito.

Esse processo requer uma atualização e revisão constante dos conhecimentos adquiridos pelo pesquisador. Uma das falhas mais comuns é que, ao tentar a transversalidade temática – e, por conseguinte, a complexidade e a transdisciplinaridade no Direito – carece o estudo de profundidade ou, se o faz, tende ao isolamento dos eixos reestruturados do conhecimento. Aprofundar e, ao mesmo tempo, transdisciplinar um saber é também questão de método e não apenas de sistematização, enquanto organização das idéias.

Para tanto, é necessário levar em conta o modo como ocorrem as interfaces, por analogia, no âmbito das culturas, dos nichos sociais e dos diversos micro-sistemas. Aí poder-se-à observar as endo-adaptações e as exo-adaptações, considerando-se que adaptação, em termos culturais, remonta à idéia de evolução. Para a reestruturação do conhecimento, tomando-se por base a transversalidade dos elementos, de fato, as faces que medeiam a endo e a exo-adaptação podem permitir leituras renovadas, com amplas perspectivas para a escolha dos temas de pesquisa e para a sua originalidade.

 
4- Quais as características da pesquisa jurídica transdisciplinar? Como deve ser realizada?
R:
Os temas transversais delimitam diferentes campos de observação. Portanto, requerem a idéia de sistemas abertos, nos quais as interfaces cumprem relevante função.

Os temas transversais, entrelaçados com os longitudinais (ou disciplinas tradicionais), são mais hábeis a evitar as vaguidades e imprecisões, características comuns da pesquisa transdisciplinar. Observe-se que estamos lidando com funções imaginativas na demarcação do saber, para que se opere o passo transdisciplinar e para que se obtenha um potencial mais amplo de interação entre as disciplinas.

As interfaces, na transdisciplinaridade, devem fazer transições sem fragmentação do conhecimento, além de terem função cognitiva facilitadora do entendimento. As interfaces são uma relação semântica, que intermedia significados. É uma representação mental.

Porém, há críticas à transdisciplinaridade, como por exemplo, a de gerar conhecimentos superficiais pois, ao se aprofundar, o pesquisador se especializa e, assim, volta às disciplinais tradicionais. Outra crítica comum à transdisciplinaridade diz respeito à vaguidade e imprecisão da conclusão que, as mais das vezes, tende a ser poli, multi ou interdisciplinar.

Sabemos que transdisciplinaridade e complexidade são conseqüência uma da outra. Ora, as sociedades, sendo complexas, exigem pesquisa transdisciplinar, por isso a sua importância para o Direito, pois o Direito emana da sociedade e a ela se reporta. Por essa razão, é nosso dever considerar a pesquisa transdisciplinar e seus problemas, também no âmbito do Direito.

Vejamos também algumas características do pensamento complexo, quais sejam: 1) a indissociabilidade entre conhecer e criar. Pensa-se criando e cria-se conhecendo. Esses espaços são propícios à intuição; 2) a combinação de ações e idéias mutuamente coordenadas, visando formar sínteses. As sínteses não são necessariamente conclusões; 3) Raciocínios não são meras operações mentais. É necessário modelizar os conceitos, dando forma a um ato que produz outros. Modelizar é dar forma a um conteúdo ou substância. 4) A complexidade não permite simplificações apressadas. O objeto não é simples, mas é singular. Deve-se cuidar para evitar as pseudo-conclusões, modelizando as sínteses; 5) A complexidade é a inteligência das incertezas e dos possíveis. Porém, só é inteligível o que é comunicável. Assim, mesmo incertas, as sínteses modelizadas devem ser comunicáveis e comunicadas; 6) A hipercomplexidade, que inclui a vida e o homem, gera uma nova ética ecológica e um novo humanismo bio-cultural; 7) Há um enfoque globalizador na transmissão do saber complexo que não é mera organização das idéias, mas é também político e diz respeito à função social do ensino.

Destacamos a necessidade de um eixo integrador do conhecimento transdisciplinar para o Direito, que pode ser um eixo de difusão, uni, bi ou multidirecional.

A interface deve ser breve, para que não seja saturada de dados. Já as sínteses, que substituem as conclusões tradicionais, não podem ser confundidas com os simplexes de Piaget, que são meros agrupamentos de partes. As sínteses, como já examinamos anteriormente, devem ser modelizadas nas suas incertezas e nas suas possibilidades.

Em suma, a pesquisa transdisciplinar e complexa é sempre obra aberta e, como tal, pode ser compreendida não apenas como ciência, mas também como uma obra de arte.
 
5- Por que alguns autores diferem quanto às normas da ABNT?
R:
As disposições promulgadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, no que concerne à edição de normas aplicáveis aos trabalhos científicos, não foge às características legislativas verificáveis em geral: o texto da referida lei não se apresenta homogêneo para a exegese; pois nele são encontráveis desde normas de cunho programático, outras de caráter mais amplo e genérico, até as bem específicas e restritivas.

Há ainda aspectos do trabalho científico para os quais a referida norma é lacônica ou até mesmo omissa, sem contar que, em virtude dos avanços da informática, das transformações no âmbito da realidade nacional do ensino e da própria dinâmica social, podem surgir fatos novos não contemplados pela norma técnica anteriormente promulgada.

Assim sendo, a análise do texto da referida lei deve, em primeiro lugar, levar em conta tais considerações, pois delas decorrem, provavelmente, as discrepâncias verificadas entre autores em Metodologia Científica. No caso específico de trabalhos acadêmicos, há ainda as recomendações formuladas pelos órgãos representativos de algumas classes profissionais, a serem acatadas e incorporadas ao conjunto de disposições que normatizam a elaboração dos escritos científicos.