Entrevista com o Autor


Alexandre Rocha Pintal
em 25/02/2014

O acervo de direitos que alguém poderá gozar em um país estran-geiro dependerá, em grande medida, do momento histórico em que o Estado domiciliar atravessa. Assim é que países cuja formação soci al atinge deter-minado  estágio  de  consolidação  tendem  a  ser  mais  restritivos  à   imigração. Outros,  premidos  de  mão  de  obra  ou  interessados  na  ocupação  terri   torial, serão mais amenos com os imigrantes. (Trecho extraído do livro: Direito Imigratório - Serviço Público Migratório - Vistos, Acordos de Residência, Naturalização - Atualizado até a RN 104/2013 CNIg, 2ª Edição - Revista e Atualizada - Alexandre Rocha Pintal)

 

 

1. Como o Brasil deve agir em relação às suas fronteiras, considerando a entrada ilegal de imigrantes?

R. Para a sociologia, a imigração sempre será uma experiência enriquecedora. A maioria das nações do globo valeu-se de intercâmbios para construir-se. O diferente agrega nova visão de mundo. É pelo contraste que o ser humano evolui, eis que o igual já está consolidado, já faz parte do repertório de valores internalizados.

Sem prejuízo das afirmações retro, a medida em que a identidade cultural de um povo se estabiliza, tende a rechaçar, ou pelo menos “filtrar” a entrada dos não nacionais. O Direito Imigratório surge então como reflexo dessa tentativa de autopreservação. Isto é, estipula privilégios aos cidadãos, ônus aos forasteiros e requisitos para a radicação. São discriminações legítimas porque calcadas em legados laborais de cidadãos que, somados, construíram e mantém as instituições de seu país.

A imigração deve pautar-se em dados precisos sobre o mercado de trabalho interno e contingências políticas, econômicas ou ambientais de Estados estrangeiros, que eventualmente justifiquem tratamento diferenciado de seus nacionais. Para estas situações existe o refúgio, o asilo, o regime de reciprocidade, o trabalho fronteiriço, bem como certas espécies de visto para chamada de mão-de-obra.

A permissividade indiscriminada no controle de fronteira não soa apenas arriscada do ponto de vista da segurança pública e vigilância sanitária. Estimula indevida desoneração fiscal, desgastando serviços de assistência e saúde sem a devida contraprestação. Há que se pensar seriamente na qualificação do controle imigratório, portanto.

Sob o foco estritamente jurídico, resta dizer que a entrada do clandestino (indocumentado) se resolve na retirada e devolução ao país de origem. O retorno do estrangeiro deve ser subsidiado pela própria empresa transportadora, no caso de travessias marítimas ou aéreas. Na hipótese de irregularidade (vencimento de visto), a polícia federal notifica para a regularização do prazo de estadia, sob pena de deportação e multa. É a dinâmica usual das sociedades capitalistas.  

2. Em sua obra o autor menciona sobre o SINPI (Sistema Nacional de Procurados e Impedidos), esse sistema é realmente eficiente? Como ele funciona? O que pode ser melhorado?

R. No livro procurei relatar algumas características elementares do programa. Quanto à funcionalidade, baseei-me em relatos de profissionais da área, na época em que trabalhava na justiça federal, mas não posso examiná-lo nos dias de hoje, sob o prisma da eficiência. Seria preciso um levantamento mais detalhado a respeito perante os órgãos competentes. 

3. Na sua interpretação, o que muda no cotidiano dos Estados perante a nova definição de soberania do século XXI?

R. Destaco o tratamento que a Constituição brasileira confere à disciplina imigratória, dispensando, p.ex., a ratificação de Decretos-Legislativos pelo Executivo, por expressa disposição do art. 49, inc. I c/c. art. 68, §1º e inc. II. “Nova” soberania é um pleonasmo que utilizei para descrever a superioridade das ideias que se contrapõe às tentativas de suprimir a soberania dos Estados, ou ainda, a vontade majoritária, particularmente difundida na atividade do Poder Legislativo. 

A Constituição, enquanto lei maior, ainda é – sempre será - o norte interpretativo da legislação internacional recepcionada e produzida no Parlamento. Recorde-se a superação das correntes monistas, das quais era partidário Hans Kelsen, e a ascensão do constitucionalismo na contemporaneidade. Poucos atinam para a derrocada da pretensão de um regime jurídico-político universal, o que infelizmente ainda ecoa na ONU e entre parlamentares brasileiros menos patriotas.

A Constituição não é apenas um instrumento de governo. Ela pertence ao Povo, sobretudo porque exerce funcionalidade limitadora da atividade política e indutora da cultura que lhe subjaz. Informa aos mandatários do poder sobre determinados valores a conservar, alguns a progredir via emenda.

No âmbito das organizações internacionais ou do próprio Poder Executivo, o jogo democrático costuma ceder espaço para um diminuto corpo de representantes, nem sempre afinados à vontade majoritária, as vezes sequer ao interesse público de Estado. Por isso, o cumprimento da Constituição e das leis ainda é o melhor índice de avaliação de desenvolvimento. Em países civilizados, há sensível preponderância da atividade do Legislativo no cenário político, diluindo visões autocratas e estimulando um debate ideológico mais profícuo e realista.

4. A luz do seu tópico sobre trabalho estrangeiro como o autor vê a contratação dos médicos cubanos, pelo programa “Mais Médicos”, e também de haitianos para setores como a Construção civil? O autor acredita que há uma equiparação salarial e de condições de trabalho para eles?

R. Já na segunda edição de Direito Imigratório ponderei se não seria a hora de manifestar-me a respeito. Preferi aguardar mais um pouco e, coincidentemente, passei a assessorar uma entidade do SUS que emprega mão-de-obra médica. Há mais de um ano na função, sinto-me confortável para comentar a respeito.

Há falhas pontuais no programa Mais Médicos, especificamente no que tange aos cubanos. O governo pode ter incidido em alguns tipos penais e de improbidade, ao remeter divisas ao exterior sem atinar para certas formalidades, além de precarizar a mão-de-obra cubana em relação à brasileira e de outras nacionalidades que aderiram ao sistema. Há uma cláusula inconstitucional de sigilo descrita no instrumento celebrado com Havana, desbordante das hipóteses taxativas de nossa Constituição, e outra que impede o asilo, desafiando a legislação de direitos humanos.

De resto, há pontos positivos. A exposição de motivos da Medida Provisória n. 621/2013 alerta para a carência de médicos no Brasil e a dificuldade de lotá-los em unidades interioranas e remotas. Correlaciona os profissionais em exercício, per capita, a índices de outros países da América e Europa, tecendo interessante paralelo à Inglaterra, modelo de gestão pública em saúde. [1]

5. Em seu livro o autor utiliza a definição de extradição como “ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, acusado de um delito ou já condenado como criminoso, à justiça de outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo”. Diante disto, como o autor avalia a decisão do ex-presidente Lula pela não extradição de Cesare Battisti?

R. Pessoalmente, entendo que alguns dos delitos cometidos por Battisti em território italiano não foram praticados em circunstâncias que autorizariam a classificação como crimes políticos, especialmente devido à premeditação e meios cruentos empregados.

Mas, chamo a atenção para outro aspecto: o inédito (e inconstitucional) caráter “opinativo” da Suprema Corte, ao concluir pela violação do tratado bilateral com a Itália, ao mesmo tempo em que franqueou à Presidência da República o poder de decidir sobre a extradição, esvaziando a teleologia do art. 102, inc. I, “g” da Constituição Federal.[2] 

As Cortes Internacionais emitem “Pareceres” para compatibilizá-los às soberanias estatais. O Supremo -- como todos os Tribunais brasileiros --, emite Acórdãos de natureza mandamental, isto é, ordens judiciais. Vasta jurisprudência da Casa indicava que, sem afrontar a discricionariedade in abstrato do Executivo, havia, em juízo delibatório, indícios de “hediondez” e “terrorismo” do art. 3º, inc. III da Lei Federal n. 9.474/97, de modo que Battisti deveria ter sido extraditado por ilegalidade na concessão do refúgio concedido pelo Ministério da Justiça, e para dar cumprimento ao tratado bilateral, superada a hipótese de nacionalidade brasileira do extraditando.

6. Que considerações o autor poderia fazer a respeito dos imigrantes sujeitos ao trabalho escravo?

Não há como ignorar o nexo de causalidade entre a frouxidão de nosso controle de fronteira e os casos de escravidão de estrangeiros. Programas de inserção de mão-de-obra poderiam amenizar esta realidade, pois o Brasil está, ao lado de México e Rússia, carente de prestadores de serviço de menor qualificação, especialmente na construção civil (pedreiros e mestres-de-obra), domésticas, e na própria tecelagem e carvoaria, onde usualmente se constata o trabalho escravo. O contrato de trabalho arrefece a dependência do estrangeiro e o receio de deportação, facilitando a fiscalização de jornada pelas Delegacias Regionais do Trabalho.

Mas, é preciso que se diga: carecemos de programas de reinserção da própria mão-de-obra nacional, antes mesmo da estrangeira. Os Sindicatos, mais preocupados com aspectos contributivos e greves despropositadas, não desejam amealhar essa competência que lhes seria ínsita. Governo e empresas também deixam a desejar. Resta ao desempregado apelar para conhecidos (“networking”), ou concorrer a uma vaga em concurso público. 

7. Como você enxerga o Direito Imigratório na Universidade brasileira?

R. Soube de algumas iniciativas de professores e instituições em ministrar a disciplina, o que é natural e muito me alegra. A secção científica proposta no livro de fato não colide, mas antes se soma à dogmática do Direito Internacional Privado e Direito Constitucional, consagrados na estrutura curricular brasileira.

O Direito Imigratório pode coerentemente ser introduzido na Universidade a título de especialização, ou mesmo na graduação, como matéria optativa, nos períodos mais próximos da conclusão de curso, aproveitando assim a conjunção de conhecimento prévio ao interesse profissional ou acadêmico dos alunos.   

[1] O Brasil possui 359.691 médicos ativos e apresenta uma proporção de 1,8 médicos para cada 1.000 (mil) habitantes, conforme dados primários obtidos no Conselho Federal de Medicina (CFM) e na estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A proporção de médico/1.000 habitantes constatada no Brasil é menor do que em outros países latino-americanos com perfil socioeconômico semelhante ou países que têm sistemas universais de saúde, a saber: Canadá 2,0; Reino Unido 2,7; Argentina 3,2; Uruguai 3,7; Portugal 3,9; Espanha 4,0 e Cuba 6,7 (Estadísticas Sanitarias Mundiales de 2011 e 2012 – Organização Mundial da Saúde – OMS).

[2] Íntegra do julgamento em < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2514526 >.


English Version

1. How does Brazil should act in relation to its borders and illegal immigration?

R. For sociology, immigration always Will be an enrichment’ experience. The most of the nations worldwide were built upon exchanges, not only commercial but personal. The alien brings a new view. It’s by contrasting human being evolutes, since the equal is already consolidate; It’s already part of internal values.  

Nevertheless, once cultural identity of a nation stabilized, tends to avoid, or at least to “filtrate” the enter of non nationals.  Immigration Law appears as a reflex of that attempt of self-preservation. In other words, It creates privileges for citizens, onus for strangers, requirements for radication. Legitimate discriminations based on labor legacies of citizens Who indeed have built and maintain institutions of his own country.     

Legal immigration must be guided in precise data about internal labor market and political, economic or environmental contingencies of foreign states, which eventually justify differential treatment of their nationals. For these situations there is refuge, asylum, reciprocity, frontier work, as well as certain species of work permit.

The indiscriminate permissiveness in border control not only sounds risky from the point of view of public safety and health surveillance. It stimulates undue tax relief, wearing assistance and health services without due consideration. Therefore We must seriously consider the improvement of immigration control.

Under strictly legal focus, the entry of the illegal (undocumented) resolves on removal to the country of origin. The return must be subsidized by the company carrier itself, in case of sea or air crossings. In the event of irregularity (visa expiry), the federal police notifies for regularization of the stay period, under penalty of fine and deportation. It is the usual dynamics of capitalist societies.

2.   In his work the author mentions about SINPI (National System of Wanted and Prevented), this system is really efficient? How it works? What can be improved?

R. In the book I’ve tried to report some basic features of the program. As for functionality, I’ve relied on reports from professionals in the field. At the time I was working in a federal court, but I can’t examine no longer nowadays, from the perspective of efficiency. It would take a more detailed survey before competent bodies.

3.  In your view, What changes in everyday States before the new definition of sovereignty of the XXI century?

R. I attempt to highlight the treatment that the Brazilian Constitution gives the immigration, dispensing, eg , the Executive ratification for Legislative Decrees, by express provision of Art . 49, inc. I plus Art. 68 , § 1 and inc . II . " New " sovereignty is a superfluous to describe the superiority of the ideas that opposes the attempts to suppress the sovereignty of states, or even the majority will particularly widespread in the Legislature activity.

The Constitution as higher law is still - always will be - the interpretating and approving northern type for international legislation. Remember the overcome of the monistic scholars, such as Hans Kelsen, and the survival of the constitutionalist theories in modern times. We must remember the theoretic overthrow of the pretense of a universal legal and political regime, which unfortunately is still echoing in UN and among less patriot Brazilian legislators.

The Constitution is not just an instrument of government. It belongs to the people, especially for limiting political activity and inducing the culture that underlies it. It informs the trustees of power over certain issues to be retained, other to be evolved via amendment.

Inside International Organizations and Executive Power, a miniature body of representatives usually takes the place of the democratic game, not always attuned to the majority will, sometimes not even close to the public interest of the State.  Therefore, compliance with the Constitution and laws is still the best evaluation index of development. In most civilized countries there is a sensitive preponderance of the legislative activity on the political scene, diluting autocrat visions and encouraging a more fruitful and realistic ideological debate .

4. Under your topic on ‘foreign labor’, How do you see the hiring of Cuban doctors in the "More Doctors" program, and the ground norms for Haitian worker’s? Do you believe there are equal salaries and working conditions for them?

R. In the 2nd edition of Immigration Law – Brazil, I have pondered whether it might be time to face the issue. I preferred to wait a little bit longer and coincidentally spent advising a public entity that employs hand medical workforce. Over a year in the role, I feel comfortable to speak about it.

There are occasional glitches in the program “More Doctors”, specifically with respect to the Cuban work force. The government may have committed some administrative and criminal malfeasance, on remitting currency abroad without fathom to certain formalities, and giving worst working condition  to Cubans, in comparison to Brazilian and other nationalities Docs who joined the system. There’s an unconstitutional clause of confidentiality described in the contract concluded with Havana, overflowing exhaustive hypotheses of State secrecy; and another that prevents asylum, defying human right laws.

Anyway, there are some positive aspects too. The explanatory memorandum to the Provisional Measure n. 621/2013 warns us of the shortage of doctors in Brazil and the difficulty of hiring them in backwoods and other remote places.  Correlates the working professionals per capita to other countries in America and Europe, weaving interesting parallel to England model of public health care management.[1]

5.   In your book you define extradition as "the act by which a State delivers another’s a stranger accused or condemned of a crime." Given this, How do you evaluate the decision of former President Lula for not extradite Cesare Battisti?

R. Personally, I believe some of the offenses committed by Battisti in Italian territory were not in circumstances which would authorize the classification as political crimes, especially due to the forethought and bloody means employed.

But, I draw attention to another aspect: the unprecedented (and unconstitutional) “opinionated” of the Supreme Court decision in concluding, despite the breach of the bilateral treaty with Italy, to offer the President the power to decide about it, emptying Art. 102, inc. I " g " of the Constitution.[2]

The International Courts used to issue "Opinions", in order to conform it to the State sovereignties. The Supreme - like all Brazilian Courts – should emit decisions of mandatory nature, Court orders. Many precedents of the House indicated that, without tackling the abstract discretion of the Executive, there were evidence of "ugliness" and "terrorism" as Art. 3o, inc. III of the Federal Law n. 9.474/97, and therefore there should have been an extradition by illegality in granting refuge by the Ministry of Justice, thus to comply the bilateral treaty, once surpassed the hypothesis of Brazilian nationality of the person sought.

6.    Which Considerations would you could point out concerning slave labor of immigrants?

R. There is no way to ignore the causal link between the looseness of our border control and cases of slavering foreigners. Immigrant Labor programs could ameliorate this situation, since Brazil, next to Mexico and Russia, is lacking less qualified workers, especially in civil construction (master masons and labor), domestic, and own weaving and charcoal, which usually turns out slave labor. The employment contract cools dependence on foreign and fear of deportation, facilitating the supervision of journey through Regional Labor Delegates.

Thus, It must be said: there’s a lack of rehabilitation labor programs for domestic workers itself. Unions, more concerned with contributing aspects and pointless strikes, do not want to amass such inherent jurisdiction. Government and companies fall short too. It remains for unemployed to appeal acquaintances ("networking"), or to compete for a public vacancy.

7. How do you see Immigration Law in Brazilian universities?

I’ve heard about some institution and teacher’s effords to teach the discipline, which is natural and makes me happy. Indeed, the scientific section proposed in the book does not contradict, but rather adds to the dogmatic of Private International Law and Constitutional Law, enshrined in the Brazilian curriculum.

The Immigration Law can consistently be introduced at the University as a post degree, or even as an optative matter for undergraduate period, closing to course’s completion, taking advantage of the combination of prior knowledge and professional or academic interest of the students.

[1] Brazil has 359,691 active physicians and has a ratio of 1.8 doctors per thousand (1,000) inhabitants, as primary data obtained in the Federal Council of Medicine (CFM) and the estimated population of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The proportion found in Brazil is lower than in other Latin American countries with similar socioeconomic profile or countries with universal health systems, namely: Canada 2.0, UK 2.7, Argentina 3 2; Uruguay 3.7, Portugal 3.9, Spain 4.0 and 6.7 Cuba (Estadisticas Sanitarias Mundiales 2011 and 2012 - World Health Organization - WHO).

[2] Available in < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2514526 >.

 


Alexandre Rocha Pintal é Advogado, consultor jurídico, pós-graduado em Direito Público, sócio do escritório Rocha Kassin Adv., associado internacional da American Bar Association (USA). Autor, tradutor e articulista.