Entrevista com o Autor


Dr. José Maurício Pinto de Almeida
em 29/05/2007

O Recrutamento e a Formação de Magristrados no Brasil

José Maurício Pinto de Almeida é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná; Professor da Escola da Magistratura do Paraná e do Centro de Estudos Jurídicos do Paraná; Professor Emérito da Faculdade de Direito de Curitiba; membro do Centro de Letras do Paraná, do Instituto de Magistrados do Brasil e da Academia de Cultura de Curitiba; sócio-fundador do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário – Ibrajus; cursou a Escola da Magistratura de Portugal (Centro de Estudos Judiciários), como observador, em 1992/1993, escolhido por concurso realizado pela Associação dos Magistrados do Paraná e com aprovação do Órgão Especial do TJPR. Coordenador conjuntamente com a Dra. Márcia Leardini, Especialista em Direito Conselheira Permanente do IPEC - Instituto Paranaense de Estudos Criminais; Professora de Direito Penal e Processual Penal das Faculdades Integradas Curitiba - Faculdade de Direito; Professora de Prática Jurídica da PUCPR; Assessora Jurídica da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná da obra "Recrutamento e Formação de Magistrados no Brasil - Participação Especial do Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão"

1- É correto afirmar que os recursos, indispensáveis à revisão dos pronunciamentos e adequação às bases da justiça, extrapolam o interesse das partes litigantes, satisfazendo os interesses do próprio Estado?
R:
Sim. O que se percebe, em inúmeras estatísticas, é que o Poder Executivo ocupa o maior índice percentual de recorrentes junto aos tribunais brasileiros. Mas como a constatação não é nova, prevê-se que as súmulas vinculantes façam cessar esse abuso do direito de recorrer por parte do Executivo.

2- Na obra em questão (Recrutamento e Formação de Magistrados no Brasil), é mencionado que a carreira da magistratura não tem a capacidade de atrair os mais preparados e capazes, buscando-a, alguns desiludidos da vida profissional, outros que não conseguiram êxito em curto espaço de tempo, bem como os que almejam a estabilidade financeira por meio de subsídios públicos. A admissão para a magistratura faz-se mediante aprovação em concurso público, sendo assim, não seria a lógica que somente os melhores e mais bem preparados fossem aprovados? Por que a obra cita ser a magistratura, incapaz de angariar “elementos vocacionados” para os seus quadros?
R:
É preciso que nos transportemos à década de 1960 para examinar a assertiva constante da pergunta. O artigo que menciona essas circunstâncias foi escrito pelo excelente jurista Egas Dirceu Moniz de Aragão em 1960, quando a realidade no País era outra. A magistratura não era atrativo por vários motivos, dentre eles, a falta de estrutura, sacrifícios incomensuráveis, deslocamentos complicados, e, somando-se a isso, uma compensação financeira diminuta, pois nem sempre os juízes ganharam bem, condignamente. O quadro hoje é bem diferente. Há muita concorrência à magistratura, muitos candidatos efetivamente vocacionados. Há advogados bem sucedidos que deixam seus escritórios para a realização de concursos. O artigo do Prof. Moniz de Aragão é uma importante contribuição histórica e crítica inserida em nossa obra, com a autorização dele, pois, graças à sua coragem de enfrentar o tema, ele hoje está sendo tratado na Constituição Federal.

3-  O Estado não tem levado a sério o seu dever de preparar satisfatoriamente seus servidores (juízes) cuja função é distribuir a justiça. É possível mudar esse quadro?
R:
Sim, é possível. A Emenda Constitucional 45, de dezembro de 2004, criou a ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS no inciso I do parágrafo único do artigo 105 (CF). Ressalte-se, também, a ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS DO TRABALHO, prevista no inciso I do § 2º do artigo 111-A, igualmente acrescentado à Constituição da República pela Emenda Constitucional n.45, de 8.12.2004. Portanto, a formação institucionalizada, a exemplo da diplomacia brasileira, já tem respaldo constitucional, dependendo, agora, da boa vontade de nossos tribunais na execução dessa missão, que não é tão simples. È preciso acabar com a improvisação, como se bastasse o concurso público para avaliar as condições de um candidato. É preciso orientá-lo, formá-lo.

4-  O despreparo de magistrados em julgar tem influenciado para a morosidade do sistema judiciário, ou essa lentidão tem como causa aspectos meramente normativos do processo?
R:
Primeiramente, eu não diria “despreparo”, mas sim “inexperiência”, pois se pressupõe que o classificado em concurso público demonstrou preparo jurídico para o novo cargo. A falta de experiência pode ser suprida com um curso de formação bem estruturado depois de o candidato estar nomeado. Sei que, no Paraná, o Presidente do Tribunal de Justiça pretende, em meados de novembro do corrente ano, realizar um curso de formação inicial de aproximadamente quatro meses. Nesse curso, outros assuntos serão debatidos, sem priorização ao conteúdo jurídico do candidato. Ele deverá receber orientações de como se relacionar com os jurisdicionados, advogados, promotores de justiça, p. ex., assim como ter contato direto e supervisionado com processos, inclusive realizando audiências, simuladas ou não, de modo a não deixá-lo sem essa visão que, ainda que aparentemente simples, pode auxiliar muito no desempenho de sua função jurisdicional. E o principal detalhe: tudo isso será realizado quando ele já for juiz substituto nomeado, antes de efetivamente começar suas tarefas na Seção Judiciária.

5- Quando abordamos o tema da formação ética do magistrado, nos deparamos com o ensino extremamente tecnicista que as faculdades de direito conferem aos seus alunos, em detrimento do ensino humanístico. Este poderia ser alegado como um fator preponderante numa eventual formação ética deficitária por parte do julgador, comprometendo-lhe a completa visão dos problemas jurídicos?
R:
O ensino tecnicista não é fator preponderante no que atine à formação ética em sentido amplo. O magistrado deve possuir três virtudes principais, que devem nortear-lhe o comportamento, a conduta e o desempenho do juiz: cultura, honestidade e coragem, tema bem abordado pelo Des. Acácio Cambi em nossa obra. Por óbvio, uma maior dose de ensino humanista nas faculdades contribuiria muito para a formação ética do juiz. Mas há princípios que não se absorvem com mera leitura ou debate. É preciso tratar desse assunto, com profundidade, nos cursos de iniciação à magistratura. A honestidade é atributo que não se ensina. Mas o debate sobre condutas éticas colaboraria muito para que a conduta ética do magistrado não sofresse qualquer desvio, ainda que involuntário. É preciso levar cada vez mais a sério o período do estágio probatório do magistrado (dois anos; vitaliciamento), retirando da carreira, a tempo, aqueles que, demonstrem não ser vocacionados, éticos e corajosos (e é o tempo que demonstra essas virtudes).

6-  No Brasil, que cuidados estão sendo tomados para que a formação e recrutamento de juízes, obtenham a máxima eficácia possível?
R:
Como já abordei, a nossa Constituição Federal, após a EC 45, traz avanços nessa área. O trabalho do Desembargador paulista José Renato Nalini em nossa obra analisa com propriedade essas novidades, clamando por uma evolução ao estilo francês e português, em que o novo magistrado passa por um longo período de observação e preparo antes de assumir suas funções. Em suma, estamos evoluindo tardiamente, pois, há mais de 40 anos, o Professor Moniz de Aragão chamou a atenção da classe jurídica e política sobre o tema.