Entrevista com o Autor


Dra. Flávia Piovesan
em 29/05/2007

Direitos Humanos

Flávia Piovesan é Professora Doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP; Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR e da Universidade Pablo de Olavide (Espanha), visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005); Procuradora do Estado de São Paulo; membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro da SUR – Human Rights University Network. Coordenadora junto com a Dra. Daniela Ikawa, Mestra em Direito pela Columbia University (EUA), Human Rights Fellow e Harlan Fiske Stone Scholar por Columbia University School of Law (1998 e 1999); Doutora pela Faculdade de Direito de USP (2006); Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do MP/SP (2001); Coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos; Auxiliar de Ensino voluntária na disciplina de Direitos Humanos dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, e Professora do curso de Direitos Humanos no curso de Especialização em Jornalismo Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP/ Cogeae, da obra "Direitos Humanos - Vol. I e II".

1- Em tempos de guerra e invasão de países miseráveis por potências armamentistas, muito se tem falado em Direitos Humanos e em Direito Internacional. Essas duas “rodas” da civilização moderna invariavelmente estiveram próximas uma da outra, mas invariavelmente também caminhando em sentidos opostos. É possível vislumbrar a real consolidação de um Direito Internacional dos Direitos Humanos, ou seria ousadia demais?
R:
O Direito Internacional dos Direitos Humanos é um movimento histórico extremamente recente. Nasce como resposta às atrocidades perpetradas ao longo do Nazismo. Se a 2a Guerra demarca a ruptura com os direitos humanos, o Pós Guerra acena à esperança emancipatória de reconstrução destes direitos. Por isso, o Direito Internacional pode ser dividido em duas fases: pré e pós 1945.
Tendo em vista o curto período de tempo, acredito que o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem apresentado significativos avanços, ao fixar parâmetros protetivos mínimos para a defesa da dignidade humana, contando, inclusive, com o processo crescente de justicialização internacional. Exemplos como a criação do Tribunal Penal Internacional, a atuação das Cortes Regionais (européia, interamericana e futuramente a africana) traduzem este esforço de transitar do direito da força para a força do direito.

2- Diante dos últimos conflitos ocorridos no mundo, no seu entendimento o Conselho de Direitos Humanos da ONU tem se mostrado eficaz no cumprimento das obrigações que lhe cabem?
R:
O Conselho de Segurança da ONU reflete a realidade e a geopolítica de 1945. É fundamental seja repensado; democratizado e reestruturado. É um órgão que carece, hoje, de legitimidade internacional, sob o comando dos 5 membros permanentes (EUA, França, Rússia, China e França), que têm o poder de veto. Enfrentar o legítimo e racional uso da força no plano internacional, bem como temas afetos à paz e segurança internacional, demanda seja revisitada arquitetura deste Conselho, sua composição e competências.

3- A senhora acredita que os Direito Humanos possam ser enquadrados como fundamento ético, ou deveriam qualificar-se como fundamento moral, constituintes das sociedades contemporâneas?
R:
Acredito nos direitos humanos como a única plataforma ética e emancipatória de nosso tempo. Como já se disse, não são os direitos que são humanos, mas são os humanos que se fazem humanos pelos direitos. Inspiram-se os direitos humanos sob uma dupla vocação: proteger a dignidade humana; e evitar o sofrimento humano.

4- É possível conceber a idéia no sentido de evitar ou ao menos minimizar os desequilíbrios causados pelos choques culturais entre sociedades tão dispares, diante da globalização dominante nos dias de hoje, como por exemplo um país exportador de tecnologia e um país com estrutura social primitiva?
R:
A diversidade cultural é um componente valioso, que enriquece a humanidade. Compartilho da visão de que essencial é o diálogo inter-cultural, no marco de uma ordem cada vez mais multiculturalista. Se o Pós 11 de setembro foi caraterizado pela idéia do "choque civilizatório", que possamos transitar para o "diálogo civilizatório".

5- Em suma, é possível determinar o Desenvolvimento Sustentável como um princípio fundamental dos Direitos Humanos? Por quê?
R:
Sim. Em uma ordem contemporânea marcada pelas acentuadas assimetrias entre os hemisférios Norte e Sul, entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, é crucial defender a ótica do desenvolvimento sustentável, baseado no imperativo ético de alcance da justiça social, por meio da participação, fomentando políticas nacionais adequadas e guiadas pelos direitos humanos, bem como estimulando a cooperação internacional.

6- Sociedades “excêntricas”, como as teocráticas, as indígenas e algumas africanas, ainda têm espaço no mundo moderno que vivemos, ou estão fadadas à extinção?
R:
Acredito que o termo "excêntrico" revela, sobretudo, um ponto de vista, que nada mais é que a "vista" a partir de um determinado ponto. Penso ser fundamental o respeito ao direito à cultura e à diversidade cultural. Contudo, defendo um universalismo de "confluência", pluralista e não etnocêntrico. Um universalismo, como lembra Joaquín Herrera Flores, de "ponto de chegada e não de ponto de partida", tecido a partir do diálogo e abertura cultural. Há também que se considerar que as culturas não são estanques e fechadas, mas dinâmicas e abertas à transformação, à luz de um pacto "inter-geracional".

7- Como o Brasil e os demais países da América Latina têm se posicionado no sentido do desenvolvimento dos Direitos Humanos?
R:
Na experiência brasileira e latino-americana os direitos humanos ainda são vistos, por muitos, como uma "agenda contra o Estado" e não como um pressuposto para a Democracia e para o Estado de Direito. A nossa história traduz esta não associação entre Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento -- diversamente da Europa Ocidental, em que esta associação é automática e imediata. Defendo ser necessário reforçar esta tríade, de forma a enfatizar que se queremos efetivamente uma Democracia de alta densidade e um Estado de Direito capilarizado, o caminho é o respeito aos direitos humanos.

8- Por fim, seria correto afirmar que o desenvolvimento dos Direitos Humanos deve se dar pelas vias da educação?
R:
Sim. Temos que encorajar seja semeada uma cultura de direitos humanos no país. A educação para a cidadania é uma via valiosa e estratégica. É uma honra poder colaborar com este processo, na qualidade de professora, a partir do ensino, da pesquisa e da extensão. As obras dedicadas aos direitos humanos, que tenho tido a enorme alegria de coordenar, com o imprescindível apoio da Juruá, é um reflexo deste esforço. Que tais obras possam simbolizar um convite a uma cultura jurídica reinventada, à luz do princípio da dignidade humana, como a racionalidade de resistência de nosso tempo.