Entrevista com o Autor


Dr. Fernando Crespo Queiroz Neves
em 21/09/2007

O Direito Tributário e a Internet

Fernando Crespo Queiroz Neves é Advogado militante em São Paulo e Rio de Janeiro; graduado em Direito pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Mestre em Direito das Relações do Estado; Professor na cadeira de Direito Processual Civil, do curso de graduação da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – Fadisp. Autor da obra "Imposto Sobre a Prestação de Serviços de Comunicação & Internet - Biblioteca de Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim".

1- Nos últimos tempos, tem se falado muito em inclusão digital e a conseqüente popularização do acesso à internet. O senhor acredita que a inclusão digital pode servir de eventual ponte para a inclusão social, ou deveria ocorrer justamente o inverso?
R:
Sem dúvida alguma. A inclusão digital, principalmente voltada às raízes da Internet (que era a de interligar dois ou mais pontos de forma mais rápida e livre de interferências) implica na inclusão social. Já nos dias de hoje, aquele é considerado um “excluído digital” também se considerada excluído socialmente, diante do número cada vez maior de pessoas que buscam o acesso às ferramentas para o acesso ao mundo da tecnologia.

2- A venda de mercadorias virtuais, como a compra e instalação de um software, operação realizada pelo simples download de um arquivo, sustentaria a incidência de tributação?
R:
A venda de tais produtos, não enseja a tributação pelo ICMS-Comunicação, tal como delineado na Constituição Federal de 1988. De outro lado, a compra de mercadorias virtuais, como no exemplo dado na questão, está, a princípio, sujeita à incidência do ICMS como na operação geral de qualquer mercadoria. Todavia, há aqui um campo nebuloso, onde para alguns a tributação caberia aos Municípios (através do ISSQN) e para outros aos Estados e ao Distrito Federal (através do ICMS). A respeito, há interessante decisão do STF (RE 176626-3/SP – Rel. Min Sepúlveda Pertence) em que se decidiu a respeito do campo de incidência do ICMS na comercialização de software.

3- O desenvolvimento digital se dá em escala exponencial e seria praticamente impossível a lei se manter atualizada na mesma proporção. Diante da realidade brasileira, como tem se desenvolvido a norma tributária no “território digital”?
R:
A maior dificuldade no “território digital” é a completa quebra de fronteiras. É muito difícil, pelo menos em um primeiro instante, identificar o “domicílio digital”. Isso acarreta a necessidade de adoção de mecanismos alternativos de controle e fiscalização. A Receita Federal, com repercussão nas Fazendas Estaduais e Municipais, tem desenvolvido uma série de procedimentos para acompanhar essa constante evolução do sistema. Merece destaque, neste ponto, a recente Lei 11.457, de 15 de março de 2007, que recebe a alcunha de “Lei da Super Receita”.

4- No intuito de tributar o fluxo de negócios jurídicos ocorridos no comércio eletrônico ao redor do mundo, governos como dos Estados Unidos da América e os da União Européia, têm obtido algum êxito nesse sentido?
R:
Nos Estados Unidos da América do Norte a grande maioria dos Estados, pela própria autonomia que gozam, têm criado regras próprias para o controle e a tributação de produtos e serviços no comércio eletrônico. Especificamente, naquele País, com relação à questão merece destaque o “Internet Tax Freedom Act”, posteriormente renominado de “Internet Tax Nondiscrimination Act”. Já a União Européia, principalmente pelo mecanismo de cobrança do Imposto sobre Valor Adicionado – IVA, tem estabelecido diversas regras para cobrança e controle tributário dos negócios jurídicos celebrados por meio digital.

5- Focando-se nas diferenças, o que seria o Provedor de Serviço de Internet (ISP) e Provedor de Acesso à Internet (IAP)? Para a norma tributária, há diferença?
R:
Em ambos os casos não há serviço de telecomunicação. A diferença é que o Provedor de Acesso realiza um serviço que propicia meios para que usuários utilizem das ferramentas (conteúdo, mensagem eletrônica, etc) oferecidos através da Internet; enquanto que o Provedor de Serviço é uma atividade empresarial por meio da qual se disponibiliza equipamentos e ferramentas através da qual seus clientes poderão obter acesso à Internet. Atualmente, no Brasil, pela estrutura do ICMS-comunicação (CF/88, art. 155, inc, II), bem como do ISSqN (CF/88, art. 156, inc. III), para fins de tributação não há diferença, pois como apresentado e defendido no meu livro, não se trata de prestação de serviço de comunicação, para fins de incidência do ICMS-Comunicação, nem de um serviço tributável pelo imposto de competência dos Municípios já que não constante da lista de serviços vigente (anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003).

6- Segundo apontamento da obra, a cobrança de tributo sobre prestação de serviço de comunicação da internet, pode gerar a elitização de seu uso e a conseqüente exclusão digital. Como se daria isso?
R:
O aumento da carga tributária sobre os serviços, em geral, acarreta, inexoravelmente, em uma diminuição do acesso à população comum. Vale dizer, somente quem dispõe de numerário suficiente para arcar com o produto ou serviços, acrescido dos tributos sobre estes incidentes, é que poderão ter acesso aos mesmos. Neste sentido, há uma “elitização” não natural do acesso a tais serviços e produtos. Na área da informática, essa “elitização” tem como conseqüência direta a “exclusão digital”. Neste sentido, vale à pena lembrar os incentivos realizados pelo Governo Federal justamente no sentido de reduzir a carga tributária para viabilizar a inclusão digital.

7- No seu entendimento, qual seria o âmbito de abrangência do ICMS-Comunicação de acordo com a Constituição Federal vigente?
R:
Como abordado no livro em questão, prestar serviço de comunicação só poderá ser considerado para materialização do ICMS-comunicação quando houver, ao mesmo tempo, a junção dos elementos constitutivos da prestação de serviço (prestador, tomador e conteúdo econômico do serviço) e daqueles que formam o esquema da comunicação (emissor, meio físico, mensagem, sinais convencionados e receptor). O serviço prestado, contudo, não é o da comunicação em si, mas sim do exercício concreto, real, da atividade de fornecimento de condições materiais capazes de intermediar e interconectar a emissão e a recepção de mensagens entre duas ou mais pessoas.