Entrevista com o Autor


Dr. Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá
em 23/11/2007

Amicus Curiae

Carlos Gustavo Rodrigues Del Pra é Advogado formado pela PUCSP, onde também obteve os títulos de Especialista e Mestre em Direito Processual Civil. É Professor universitário e da Escola Superior da Advocacia; autor da obra "Amicus Curiae - Instrumento de Participação Democrática e de Aperfeiçoamento da Prestação Jurisdicional" e de diversos artigos publicados em revistas especializadas e coletâneas sobre Direito Processual Civil.

1- O que motivou o senhor a se dedicar a um assunto tão rarefeito na processualística civil brasileira?
R:
A curiosidade. Tive o primeiro contato com o assunto a partir de um artigo publicado na Revista de Processo, em 2002, de autoria do então Ministro do STJ Adhemar Ferreira Maciel (“Amicus curiae: um instrumento democrático”). Após uma instigante exposição da figura, o autor concluiu pela sua inaplicabilidade no direito brasileiro, afirmação esta que acabou sendo o móvel da minha curiosidade. Fui também brindado pela sorte de descobrir o assunto quando cursava o crédito no curso de mestrado com a Dra. Thereza Alvim, conhecida por seus estudos sobre partes e terceiros, que muito me auxiliou nesse início, e que acabou por aceitar ser a minha orientadora.

2- Originalmente, o amicus é amigo da corte e não das partes, inserindo-se no processo como um terceiro. Seria correto afirmar que o amicus é movido por um interesse maior que o das partes envolvidas inicialmente no processo?
R:
A afirmação é válida, mas a ótica deve ser outra. A função exercida pelo amicus curiae é que acaba por atender um interesse maior que o das partes litigantes. Ou seja, muito embora o amicus curiae possa até agir em atenção a um interesse próprio, quiçá egoístico, o que não se admite é que tal agir busque apenas tal objetivo. A função exercida pelo seu agir deve sempre representar um benefício para a prestação jurisdicional, e uma abertura do debate sobre questões que envolvem interesse “coletivo”. Se seu agir se traduz apenas em benefício próprio ou de uma das partes, sua participação deve ser negada.

3- Quem é o amicus curiae e qual a sua finalidade?
R:
O amicus curiae é um terceiro, alheio ao processo, que nele passa a participar, por iniciativa própria ou por requisição judicial, para o fim de aperfeiçoamento da atividade jurisdicional ou como mecanismo de participação democrática em demandas das quais estaria, a princípio, alijado. É um sujeito que vem esclarecer fatos, ou mesmo questões jurídicas, possibilitando que a decisão judicial possa levar em consideração pontos não aventados pelas partes ou considerados pelo juiz.

4- O fato do amicus se interessar por um determinado resultado, faz com que ele abandone suas características tradicionais de ser o “amigo da corte”?
R:
Não. Porque o que se deve aferir, para fins de se admitir a participar do terceiro na qualidade de amicus curiae, é a vantagem vista não de uma ótica interna, como um interesse do terceiro na melhora de sua situação, mas de uma ótica externa, como a vantagem da sua participação para a elucidação de certos fatos ou certos elementos, em benefício da prestação jurisdicional. Não se nega a existência de interesse do próprio amicus curiae. O fato é que tal interesse é irrelevante para sua função. Se, contudo, a vantagem da sua participação não rompe a barreira do seu benefício próprio, a sua participação, na qualidade de amicus curiae deve ser vedada, cabendo-lhe em tese, tão-somente, a intervenção na qualidade de assistente.

5- Quem pode figurar como amicus curiae?
R:
A princípio, qualquer pessoa, física ou jurídica, ou mesmo os entes despersonalizados, podem ingressar como amicus curiae. A lei, em alguns casos, entretanto, impõe certa qualidade ao amicus curiae, como, por exemplo, na Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade, em que só se admite a participação de “órgãos ou entidades”, ou na Lei que regulamenta o CADE, em que somente esse órgão participa do processo na qualidade de amicus curiae.

6- No mundo moderno, o amicus curiae é elemento imprescindível nas decisões judiciais?
R:
De certa forma, sim. A complexidade das sociedades modernas acaba reverberando nos órgãos jurisdicionais, que são convocados a, cada vez mais, decidir questões que extrapolam os interesses individuais e abarcam interesses de uma parcela relevante da sociedade. Exatamente nessa medida, em que há muitos interesses alijados do debate judicial, é que se insere a importância da figura do amicus curiae, como veículo desses interesses.

7- Como o sistema jurídico brasileiro vem recebendo esta ferramenta chamada amicus curiae? Existe algum tipo de restrição?
R:
O que se tem verificado, ao contrário de restrição dos órgãos jurisdicionais, é uma certa timidez na utilização do instituto por parte da própria sociedade. Afora no controle concentrado da constitucionalidade, em que a figura é utilizadíssima e já conta com farta jurisprudência do STF, e afora a participação do CADE e da CVM, que há mas não é farta, as outras hipóteses (controle difuso da constitucionalidade, uniformização de interpretação de lei federal nos Juizados Especiais Federais, procedimento de sumulação, etc) não ganharam ainda a atenção devida da sociedade.

8- Que critérios de proteção o legislador pode estabelecer para impedir o uso generalizado e imprudente do amicus curiae evitando que sua aplicabilidade seja comprometida no ordenamento jurídico?
R:
Penso que o primeiro critério é o da utilidade. Caso a participação de um terceiro, na qualidade de amicus curiae, não represente verdadeira utilidade para a função jurisdicional, deve ela ser afastada. Por exemplo, caso sua participação atenda apenas ao seu próprio interesse, ou ao de uma das partes, deve ser afastada, porque inútil diante de sua função. De qualquer forma, e afora os demais critérios de controle, há que se ressaltar que tal atividade fica a cargo do juiz, que autorizará, vedará ou limitará a participação desse especial terceiro, segundo o benefício que este possa trazer à função jurisdicional.