Entrevista com o Autor


Dr. Alcio Manoel S. Figueiredo
em 23/11/2007

Juros Bancários - Limites e Possibilidades

Alcio Manoel de Sousa Figueiredo é Advogado; pós-graduado em Administração Empresarial pela UFPR, e em Direito Contemporâneo e suas Instituições Fundamentais pelo IBEJ – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos; Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa/Paraná. Autor das obras: "Juros Bancários - Limites e Possibilidades; ABC do Consórcio; Cálculos no Sistema Financeiro da Habitação; Cartão de Crédito – Questões Controvertidas; Prática Processual no Sistema Financeiro da Habitação; Tabela Price & Capitalização de Juros; Sistema Financeiro da Habitação: Reflexos Financeiros e Econômicos; Revisão do contrato".

1- Qual a motivação do senhor para abordar temas tão concomitantes na realidade brasileira, mas ao mesmo tempo tão pouco explorados, que são as instituições bancárias e seus juros praticados?
R:
A minha motivação está na extrema desigualdade social existente em nosso País, não obstante as taxas de juros integrarem uma economia estável, moderna e em crescente desenvolvimento. Em outras palavras, a nossa economia cresce, se desenvolve e se moderniza, sendo que o custo do dinheiro, a prática da usura legalizada e a proteção dos interesses privados das sociedades financeiras, em detrimento da distribuição de renda e do pleno emprego, legitima uma extrema desigualdade social.


2- Por que razão os juros bancários cobrados no Brasil, são os mais altos do mundo e custam tanto a diminuir?
R:
Existem vários fatores que elevam a taxa de juros em nosso País, tais como: (a) Mercado cativo de consumidores: As instituições financeiras tem um mercado cativo de consumidores; (b) Poder de Mercado: O poder que as instituições financeiras exercem no mercado, haja vista que os consumidores somente poderão combater as altas taxas de juros, mediante a mudança automática de suas contas correntes, deixando de ser reféns das instituições financeiras; (c) Fortalecimento das instituições financeiras: Estímulo ao fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional; (d) Exclusão do Poder Legislativo: Centralização das decisões de política econômica-financeira pelo Conselho Monetário Nacional com a exclusão do Poder legislativo na regulação da Ordem Econômica (Art. 192 CF); (e) Submissão do Poder Judiciário à Política econômica-financeira: decisões judiciais de cunho estritamente econômico-financeiro; (f) Lucro das instituições financeiras: O lucro das instituições financeiras na fixação das taxas de juros correspondem a 31 % do spread bancário; (g) Capital Estrangeiro: O interesse do Banco Central na atração de capital estrangeiro; entre outros fatores.

Nesse contexto, não existe interesse das instituições financeiras em diminuir as altas taxas de juros praticadas no mercado, ante a submissão dos Poderes Públicos ao pensamento único - A proteção do mercado, que se transforma em um verdadeiro paradigma, pois o que não é proibido para o mercado é permitido, inclusive a usura legalizada, em detrimento da crescente miséria da população brasileira.


3- A Ordem Econômica e Financeira, salvaguardada no art. 170 da Constituição Federal, pode sobrepujar-se à princípios também constitucionais, referentes ao equilíbrio da sociedade em um todo, como descrito nos arts. 173, § 4° e 190 da já citada Constituição Federal? Essa vantagem seria diretamente responsável pela realidade brasileira, preenchida pela miséria, desemprego, desigualdades e criminalidade?
R:
O corpo decisório do País se encontra a serviço dos grandes capitais nacionais e internacionais, razão esta que se distancia dos anseios sociais. A propósito o Congresso Nacional se omite nas questões dos juros bancários, tanto que o Supremo Tribunal Federal por diversas vezes reconheceu a mora do Poder Legislativo, persuadindo a legislar como determina a Constituição, isto é, lavando as mãos como Pôncio Pilatos. O Superior Tribunal de Justiça não possibilita ao juiz a revisão das taxas de juros fixadas no contrato, salvo quando o consumidor provar que o banco está cobrando dele mais que de outro consumidor. O Poder Executivo, por sua vez, sempre buscou a liberação dos juros, inclusive permitindo a capitalização dos juros por medida provisória. Enquanto isso, com a perda da consciência pelos três poderes e a falta generalizada ao cumprimento da Constituição Federal, os juros extorsivos sacrificam a maioria dos cidadãos brasileiros, sem qualquer limitação ante a legalização da usura em nosso Estado Democrático de Direito.


4- Objetivamente, o que vem a ser o Spread Bancário? É correto associar o elevado spread à inadimplência dos consumidores nas operações bancárias?
R:
O Spread Bancário é a diferença entre a taxa que o Banco paga pelo dinheiro aos investidores (custo de captação) e a taxa que o Banco cobra pelo empréstimo do dinheiro aos seus consumidores. A composição do spread do cheque especial, com base na média de 17 (dezessete) instituições financeiras, apresenta a seguinte distribuição:

AGENTES

% PARTICIPAÇÃO

DESPESAS ADMINISTRATIVAS

20 %

INADIMPLÊNCIA

19 %

IMPOSTOS

30 %

LUCRO DO BANCO

31 %

TOTAL GERAL

100 %

Observa-se que na composição das taxas de juros a maior participação não é da inadimplência dos consumidores, o que desmistifica a alegação que o spread bancário é elevado em razão do alto índice de inadimplemento das operações bancárias. Em verdade, a sua maior parcela está representada pelo lucro das instituições financeiras e pelos impostos cobrados pelo erário público. Em outras palavras, 61 % das taxas de juros bancários são representados pelos impostos e pelos lucros bancários, enquanto que somente 19% são relativos à inadimplência dos consumidores e 20% correspondente as despesas administrativas das instituições financeiras.
Isto significa que reduzindo o lucro dos bancos (31 %) e os impostos (30 %), as taxas de juros bancários também seriam reduzidas, em decorrência do efeito em cascata, pois os índices de inadimplemento também seriam reduzidos. Em outras palavras, juros menores e mais justos aos consumidores bancários, menor o índice de inadimplemento.
Por outro lado, as altas taxas de juros no cheque especial não tem qualquer correspondência com o inadimplemento, uma vez que os consumidores portadores de cheques especiais, são clientes especiais, com bons cadastros junto às instituições financeiras, o que afasta os riscos de inadimplência e a justificativa da majoração das taxas de juros. Da mesma forma, as despesas administrativas não podem ser consideradas nos portadores de cheques especiais, em razão que a maioria das operações estão informatizadas, sendo que os bancos já cobram antecipadamente as tarifas bancárias dos contratos de abertura de crédito e de renovação do cadastro.
Em verdade, a justificativa para que as taxas de juros do cheque especial sejam elevadas, consiste no poder que os bancos exercem na atividade econômica – poder de mercado. Assim, os consumidores somente poderão combater as altas taxas de juros praticadas pelos bancos, mediante a mudança de suas contas correntes, o que se torna quase impossível na prática, deixando o consumidor refém das instituições financeiras, ante a omissão de políticas públicas no combate às taxas de juros.
Nesse contexto, a taxa de juros bancários compreende o custo de captação do dinheiro, acrescido dos impostos, despesas administrativas, índice de inadimplemento e o lucro bancário, não havendo justificativa para que estas sejam fixadas em patamares excessivos e abusivos.

5- Como os Tribunais Superiores, vêm se posicionando, quando chamados a decidir lides geradas em decorrência de juros abusivos praticados pelas instituições financeiras?
R:
Os juros moratórios e juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras são aqueles fixados pelos próprios bancos, sem qualquer limitação. A revisão judicial do contrato somente será permitida, na hipótese de o consumidor demonstrar que o banco cobrou juros menores de outro consumidor, ou seja, tendo como paradigma outro contrato bancário.

6- No seu livro, o senhor apresenta duas propostas para a redução dos juros bancários. Por que ao seu ver, elas se mostram viáveis?
R:
As propostas apresentadas são as seguintes: 

1) Os juros bancários corresponderiam a somatória do custo de captação da moeda, acrescidos da taxa em vigor para a mora do pagamento dos impostos federais – artigo 406 Código Civil Brasileiro - TAXA SELIC;
2) Os juros bancários corresponderiam a somatória do custo de captação da moeda, acrescido da taxa de 12 % ao ano – Enunciado nº 20, do Conselho da Justiça Federal.

O que se pretende demonstrar com as propostas em referência, é a necessidade de impor um limite aos juros bancários, assim como abrir novas possibilidades para discussão, objetivando colocar em evidência esta importante questão. O que não podemos admitir é que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras não tenham um limite, ou melhor, que sejam fixadas ao livre arbítrio, assegurando uma rentabilidade imoral e injusta aos integrantes do Sistema Financeiro Nacional.