Entrevista com o Autor


Dr. Roland Hasson
em 14/12/2007

 

Acidente de Trabalho e Competência

Roland Hasson é Advogado; Procurador do Estado do Paraná; Professor titular da PUC-PR; Mestre em Direito Privado pela UFPR e Doutor em Direito das Relações Sociais da UFPR. Autor das obras "Acidente de Trabalho & Competência - Pensamento Jurídico - Novos Campos Para a Justiça do Trabalho", "Desemprego e Desproteção" e Coordenador em parceria com o Dr. Marco Antônio Villatore, das obras "Estado & Atividade Econômica - O Direito Laboral em Perspectiva", "Direito do Trabalho – Análise Crítica – Volume I" e "Direito dos Trabalhadores e Direitos Fundamentais".

1- Seria correto afirmar que atualmente vivemos um momento de insegurança jurídica com relação à definição do juízo competente para apreciação de conflitos entre empregados e empregadores, quando envolve acidente de trabalho?
R:
Não. Não mais. Houve um tempo, no contexto jurídico em que esta obra veio a lume, em que esta indefinição existia e maltratava os trabalhadores. Era uma situação injustificável, por todos argumentos que expusemos. Felizmente, após a E.C. 45/04, não subsistem mais as incertezas. Tratando-se, como você pergunta, de conflitos entre empregadores e empregados, a matéria envolvendo acidente de trabalho será da competência da Justiça do Trabalho.

2- Como era conduzido o “instituto” do dano moral em especial no Direito do Trabalho antes da promulgação da Constituição Federal de 1988?
R:
Com a mesma insegurança e indefinição com que o mundo jurídico costuma receber as novidades. O Judiciário costuma ser, em regra, conservador. Somente após longo debate na doutrina e a pressão social em torno de um tema, as decisões judiciais começam a espelhar a nova realidade vivida na sociedade. Assim foi, como devia ser, pois afinal a tutela jurisdicional deve sempre primar pela prudência. Na verdade, no dia-a-dia dos tribunais, poderíamos citar diversas situações semelhantes, em que a insistência na apresentação de um tema, um tema palpitante no meio social, acaba por fazer o Judiciário apreciá-lo sob um novo ângulo. Assim se deu, por exemplo, cada um em seu tempo, com o erro médico e com os crimes cibernéticos.

3- Como o senhor vê a relação dos sindicatos com a Justiça do Trabalho? O sindicalismo no Brasil é amadurecido e cumpre sua real função?
R:
Desde que se concretizou a livre negociação salarial em nosso país a atuação sindical diminuiu muito perante os órgãos da Justiça do Trabalho. É natural: em tempos de inflação exacerbada, de gatilhos, URPs e coisa que o valha, havia uma pressão da massa representada frente às diretorias dos sindicatos, o que impunha uma atuação mais consistente no que diz respeito à luta salarial.
De qualquer modo, em que pese a perda de foco pontualmente verificada, assim também como casos esporádicos de corrupção, de maneira geral penso que o sindicalismo brasileiro vem cumprindo seu papel. Atualmente, por força da estabilidade da moeda, o sindicalismo tem direcionado sua atuação para uma série de benefícios que compõe o acervo social do trabalhador, acervo este não menos importante que o salário em si.

4- O senhor compartilha do entendimento de que a Justiça do Trabalho atrai para sua jurisdição qualquer fato decorrente de uma relação de trabalho? Quais as conseqüências do absolutismo neste caso?
R:
De uma maneira geral, sim. De maneira absoluta, não. O absolutismo, nestes casos, pode trazer situações totalmente indesejáveis e absurdas para a Justiça do Trabalho. Ora, em regra, todas questões atinentes a uma relação de trabalho devem recair na esfera de apreciação da Justiça do Trabalho. Por vezes, entretanto, da relação de trabalho surge um fato tipificado como criminoso que, embora possa ser apreciada sob certo parâmetro pela Justiça do Trabalho (como a justa causa, por exemplo), certamente não deverá sê-lo para as apreciações de ordem efetivamente penal. Assim também se dá com algumas questões atinentes a outros ramos do Direito.

5- Muito comuns nos dias de hoje, os trabalhadores temporários, os avulsos e os eventuais, só fazem aumentar no mercado de trabalho. Para o Direito do Trabalho os três são interpretados como sendo iguais ou diferentes? Quais são as reais diferenças existentes entre estas três categorias?
R:
São trabalhadores em diferentes situações jurídicas. Os temporários são contratados – mediante vínculo empregatício – pela empresa prestadora de mão de obra e colocados a trabalhar na empresa tomadora. Trata-se de uma situação bem definida, em termos de responsabilidades, pela Justiça do Trabalho. Os trabalhadores eventuais não possuem vínculo empregatício; prestam serviço que não guarda relação direta com a atividade da empresa e não estão albergados pela CLT. Seu trabalho é protegido por um contrato específico que, eventualmente, pode ter seu pleito indenizatório apreciado pela Justiça do Trabalho. Já os avulsos – cuja atividade hoje remanesce adstrita aos serviços portuários – são arregimentados pelo sindicato para cumprir determinada tarefa (são conferentes, estivadores, etc). São remunerados pelo sindicato e a CF equiparou-os aos empregados para todos efeitos legais.

6- A instalação de Comissões de Conciliação Prévia pelas entidades sindicais patronais em suas respectivas áreas de atuação, não afronta o direito de ação constitucionalmente assegurado e naturalmente não se transforma num mecanismo intimidatório para o empregador?
R:
É singular que muitos pensem assim. Comigo dá-se o contrário. Primeiro é preciso frisar que a instituição das Comissões de Conciliação Prévia é mais uma tentativa para desafogar o Judiciário e proporcionar uma mais célere solução de litígios. Neste sentido, algumas vezes é eficaz. Note-se que não se trata de uma instituição patronal, mas paritária, pois a comissão deverá ter também, obrigatoriamente, representantes das entidades sindicais dos trabalhadores. Assim, ao menos em tese, não há como tornar-se um mecanismo de intimidação do trabalhador. Quanto à limitação ao direito de ação parece-me uma falácia: primeiro porque não limita o direito de ação, apenas condiciona. O trabalhador poderá ingressar na Justiça do Trabalho depois, se assim desejar. Por outro lado, o direito de ação não é absoluto, mas já está condicionado a uma série de questões de ordem processual e financeira (legitimidade, preparo, assessoria de um advogado, etc). Mesmo na Justiça do Trabalho, onde subsiste o jus postulandi, não se visualiza a total falta de condições. Então, parece-me que as pessoas não percebem que as CCP podem, efetivamente, ser um mecanismo a mais na agilização da prestação da tutela jurisdicional, filtrando lides que podem se resolver nesta esfera.

7- No caso de uma empresa brasileira que contrate um americano aqui no Brasil para trabalhar numa construção em um país africano, como é possível se processará a fixação da competência para o julgamento da lide?
R:
A princípio será competente a Justiça do referido país africano, aplicando-se a lei local. Imaginando que a empresa brasileira possua uma filial em solo americano, será possível ao trabalhador ajuizar a demanda nos EUA, por força de mecanismos estabelecidos em tratados de cooperação internacional.

8- O senhor acredita que as ultimas modificações sofridas pelo Direito do Trabalho, foram suficientes para satisfazer aos conflitos e anseios gerados com a modernização e o dinamismo das relações trabalhistas?
R:
Suficientes para este momento. É preciso entender que o Direito é dinâmico e, embora seja um mito imaginá-lo tão dinâmico quanto a sociedade que deve regular, trata-se de um objetivo a perseguir sempre e mais. A efervescência das relações sociais, a ebulição da vida em sociedade, faz esperar um pensamento jurídico efervescente e em ebulição, para atender, ainda que de maneira pálida, os anseios de uma boa prestação da tutela jurisdicional.