Entrevista com o Autor


Dra. Maria Goretti Dal Bosco
em 20/12/2007

Improbidade Administrativa

Maria Goretti Dal Bosco é Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Professora do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFGD e Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, e do Centro Universitário da Grande Dourados – Unigran; Professora credenciada do Programa de pós-graduação em Direito, Mestrado, da Universidade de Brasília (UnB)/UEMS; membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil (filiada à Transparency International) de combate à corrupção na Administração Pública; Advogada. Autora da obra "Discricionariedade em Políticas Públicas - Um Olhar Garantista da Aplicação da Lei de Improbidade Administrativa"

1- A crise ética e moral que assola não só o Brasil, mas o mundo todo, concorre para os recorrentes casos de improbidade administrativa que vemos sobejamente?
R:
É evidente que a crise ética e moral contribui em muito para isso. A sensação de impunidade, com a crescente discussão feita no Judiciário, via ações judiciais e recursos, para afastar a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa a casos de corrupção em todo o País, especialmente envolvendo políticos de posições elevadas no governo, serve para proporcionar a idéia de que quem pratica ilícitos administrativos poderá sair ileso, ou, no máximo, sofrer sanções leves. Pode-se perceber pelas decisões do Judiciário que são raras as condenações à devolução de recursos públicos desviados, como resultado de atos de improbidade.

2- Qual a diferença entre as condenações na Ação Civil Pública e na Ação Civil por Improbidade Administrativa?
R:
A diferença principal está na aplicação de penalidades que resultam principalmente na perda da função pública, pelo infrator, enquanto as demais ações civis não têm esse condão. Além dessa, aquele que pratica ato de improbidade pode ter seus direitos políticos cassados, além de ser condenado ao ressarcimento de valores desviados do Erário.

3- É possível postular a aplicação das penalidades contidas na Lei de Improbidade mediante a Ação Civil Pública?
R:
Perfeitamente possível. A ação de improbidade é uma ação de natureza civil, cujas penalidades, administrativas e civis, independem das sanções penais, previstas na legislação especial. Isto ocorre por força da previsão da própria Lei n. 8.429/92, em seu art. 12, o qual determina essa independência das duas esferas. Acima disso, está a própria Constituição, que determina a independência das sanções civis e penais em atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º).

4- As sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa podem ser aplicadas ao agente público, mesmo que não ocorra dano ao patrimônio econômico público?
R:
Sim, podem. É possível que o agente público condenado por ato de improbidade, ainda que este não tenha representado danos ao patrimônio público, seja punido com as sanções da Lei, conforme prevê o art. 21 da Lei 8.429/92.

5- A Lei de Improbidade Administrativa pune somente o administrador desonesto ou o inábil também é passivo de punição?
R:
Não apenas o administrador desonesto é alcançado pela Lei de Improbidade. Aquele omisso, inábil, ou ineficiente também pode sofrer penalidades. Essa é uma das principais teses da obra “Discricionariedade em políticas públicas”. Ocorre que o art. 11 da Lei classifica como atos de improbidade aqueles que ofendem princípios constitucionais. Logo, a ausência de eficiência – que é um dos princípios que a Administração deve observar – seja por inabilidade, seja por omissão, pode ser punida com a perda da função pública e demais conseqüências da Lei. Ainda que o Tribunal Superior de Justiça tenha decidido que atos que se enquadram no tipo do art. 11 da Lei de Improbidade implicam a presença de dolo por parte do agente público, é evidente que essa postura não pode prevalecer, e não tem prevalecido, tal como demonstram decisões de tribunais estaduais, como o de Mato Grosso do Sul.
E nem poderia ser diferente, pois não se admite que textos da lei tenham sido ali colocados sem qualquer objetivo. É uma visão que chega a ser torpe imaginar que o administrador, num país como o Brasil, no qual se registram todos os dias dezenas de denúncias por ineficiência, má aplicação dos recursos públicos, existência dos chamados “funcionários fantasmas” em incontáveis órgãos públicos em várias esferas do Poder e inchaço absurdo das folhas de pagamento da Administração, entre outras graves irregularidades, possa praticar todos esses atos com dolo, isto é, com o desejo claro de provocar danos materiais e morais ao Erário. O que ocorre, na verdade, é uma negligência que se pode qualificar de imoral, na medida em que os administradores não fiscalizam as ações de seus subordinados e, em muitos casos, mesmo tendo conhecimento do andamento precário ou ineficiente dos serviços públicos, não toma nenhuma providência, num desrespeito acintoso com os dinheiros públicos pagos pela sociedade em seus tributos.

6- O agente público pode responder conjuntamente por Crime de Responsabilidade e pela Ação Civil por Improbidade Administrativa?
R:
Os crimes de responsabilidade praticados pelos agentes públicos estão previstos no Dec. Lei 201 e na legislação extravagante, que alcança o presidente da República e os governadores. Dado que as sanções da Lei de Improbidade têm natureza civil, nada impede que seja aplicada concomitantemente, especialmente porque a própria Constituição assegura a aplicação da Lei independentemente das sanções penais. Há quem defenda que não se poderia aplicar somente a perda de função pública, a qual somente poder ser utilizada quando do julgamento por crime de responsabilidade, com o que discordamos. Não há sentido nesta posição, dado que a Lei de Improbidade é um instituto cujo objetivo é, efetivamente, punir o mau administrador dos recursos públicos, independente se sua conduta se caracteriza como crime ou não. É da natureza da responsabilidade dos agentes públicos a independência das instâncias, portanto, pode a Lei ser aplicada no que se refere a todas as sanções de natureza civil e administrativa.

7- No caso de serviço prestado irregularmente, como contrato sem prévio concurso público, é cabível a restituição da verba paga pela Administração Pública?
R:
A jurisprudência dos Tribunais brasileiros tem entendido que a verba laboral, decorrente da prestação de serviços pela pessoa física, não deve ser restituída ao Erário, pois isto configuraria um enriquecimento ilícito para a Administração, dado que os serviços foram efetivamente prestados. Mas isso não impede que o ato de contratação ilegal seja alcançado pela Lei de Improbidade, penalizando o administrador, inclusive, com a perda da função pública, por quebra dos princípios da legalidade e da moralidade, além de outros.

8- Como se dá o controle dos atos administrativos na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil?
R:
O controle dos atos administrativos nos países europeus ocorre de forma semelhante ao sistema brasileiro, com a fiscalização exercida pelos tribunais de contas, pelo Legislativo e pelo Poder Judiciário (menos na França, onde o controle é realizado pelo Conselho de Estado). Os pressupostos são parecidos com os que se observam no Brasil, ou seja, o ato pode ser anulado pelos vícios comuns de ilegalidade e de imoralidade. Mas a doutrina e a jurisprudência européias ainda se ressentem de uma atuação mais rígida no que se refere aos atos discricionários.