Entrevista com o Autor


Dr. Eduardo Appio
em 11/01/2008

Controle Judicial das Políticas Públicas

Eduardo Appio é Especialista em Direito Constitucional pelo IBEJ de Curitiba ; Mestre em Direito Constitucional pela Unisinos de São Leopoldo/RS; Doutor em Direito Constitucional pela UFSC de Florianópolis/SC. Exerceu a advocacia (1995), tendo sido Promotor de Justiça no Estado do Paraná (1996); Juiz de Direito no Estado do Rio Grande do Sul (1998) e Juiz Federal na 4ª Região (2000). Atualmente ocupa o cargo de Juiz Federal titular do 2º Juizado Especial Cível de Londrina/PR. Autor das obras "Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil", "A Ação Civil Pública no Estado Democrático de Direito", "Discricionariedade Política do Poder Judiciário", "Teoria Geral do Estado e da Constituição", "Controle de Constitucionalidade no Brasil - De acordo com a Emenda à Constituição 45 de 08/12/2004" e "Interpretação Conforme a Constituição".

1- O que motivou o senhor a escrever sobre tão intrincado tema?
R:
Basicamente um grande volume de decisões judiciais liminares tomadas sem maiores considerações acerca dos princípios políticos que regem a República, especialmente o princípio da separação entre os Poderes. Senti que não havia na doutrina brasileira uma abordagem adequada sobre um número cada vez maior de ações judiciais através das quais os juízes passaram a desempenhar atividades afetas ao Poder Executivo e ao Legislativo.

2- Em suma, qual o papel do Poder Judiciário no âmbito das Políticas Públicas e conseqüentemente do Desenvolvimento Social?
R:
O papel do Poder Judiciário não é o de formulador (criador) de novas políticas públicas, mas sim de fiscalizador da fiel execução de políticas já traçadas nas leis e na Constituição, além das políticas desenhadas pela própria comunidade envolvida, como por exemplo pelos Conselhos Municipais e estaduais dos Direitos das Crianças e Adolescentes, dos Idosos, da Saúde e Segurança Pública.

3- Por que a vinculação da justiça distributiva à função legislativa e da justiça corretiva à função judicial pode representar a impossibilidade de se conceber um processo de controle da formulação e execução de políticas públicas?
R:
Efetivamente, a justiça distributiva guia as ações dos políticos eleitos diretamente pela população, estabelecendo um importante vínculo democrático entre os cidadãos e os governos eleitos. São estes últimos que devem, regularmente, decidir sobre qual é a melhor destinação a ser dada aos recursos públicos, estabelecendo prioridades a partir de critérios técnicos. Enfim, são eleitos para governar e promover os objetivos da justiça distributiva. Já os juízes tradicionalmente miram no passado e não no futuro. Suas decisões visam repor as partes em litígio a uma situação de equilíbrio que existia antes da ocorrência de algum ilícito civil. O problema surge quando os juízes têm de decidir em ações coletivas a correta destinação dos recursos públicos, ou seja, entre construir um hospital ou uma escola em determinado bairro carente da comunidade ou mesmo se os cidadãos devem receber um medicamento contra a hipertensão arterial ao invés da insulina. As políticas públicas miram no futuro, razão pela qual devem ser formuladas por quem foi democraticamente eleito para esta espinhosa função.

4- A Constituição Federal de 1988 possibilitou ao Poder Judiciário uma ampliação da sua capacidade interventiva no controle das políticas públicas, na esfera social e econômica. Desta forma, pode-se dizer que o Poder Judiciário governa?
R:
Sim, temos uma Constituição analítica a qual traça diversas políticas públicas, como por exemplo quando assegura acesso à escolas públicas gratuitas para as crianças no ensino fundamental ou mesmo quando estabelece percentuais mínimos que devem ser repassados pela União aos estados e municípios nas área de educação e saúde. Este controle tem sido exercido. Na área econômica, a própria lei de concessões dispõe que é direito do usuário uma “tarifa módica”, ou seja, o Judiciário pode intervir em áreas sensíveis da economia como no caso dos pedágios ou das tarifas de telefonia, visando assegurar a modicidade de tarifas e equilíbrio dos contratos de concessão.

5- Na obra Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil, de sua autoria, o senhor diz que: “Ao formular políticas públicas que atendem às suas prioridades pessoais, através da “interpretação adequada” da Constituição, os juízes se lançam em verdadeira aventura política, não possuindo real controle sobre as conseqüências deste processo, do que resultam graves impasses constitucionais.” Quais as conseqüências imediatas desta experimentação jurídica para a sociedade?
R:
A conseqüência tem sido (e será) a perda da credibilidade política do Poder Judiciário como um todo, já que ao negar validade às políticas traçadas pelos ramos políticos eleitos pelo povo os juízes estão se investindo em uma função para a qual não detêm legitimidade.

6- Faz parte da natureza do Poder Judiciário, interferir no exercício das atividades dos Poderes, Legislativo e Executivo? Essa interferência pode resultar na substituição do legislador/administrador público, pela figura do juiz?
R:
Mais modernamente temos assistido ao fenômeno da judicialização da política no Brasil, até pela própria crise que erodiu, nos últimos anos, a credibilidade dos demais Poderes da República. Desde a queda do governo Collor, o Judiciário tem intensificado sua atividade legislativa e executiva, especialmente em resposta às ações coletivas promovidas pelo Ministério Público. Temos, todavia, um sem número de políticas públicas já previstas na Constituição. Basta que o Judiciário cuide de sua fiel execução, como no caso do direito à inserção em uma creche pública e gratuita em favor dos menores em idade pré-escolar ou mesmo a garantia de fornecimento de medicamentos especiais já constantes em tabelas do SUS (sistema único de saúde).

7- Que cuidados devem ser tomados pelo Poder Judiciário ao tratar de Políticas Públicas, para que não haja ofensa à democracia, tão pouco exaurimento da autonomia dos demais Poderes, e assim, não se estabeleça um quadro de verdadeira aristocracia judiciária?
R:
A aristocracia judiciária – ou o que denomino de “populismo judiciário” surgiu no Brasil ao longo dos últimos cinco anos e já apresenta resultados importante mesmo no nível do Supremo Tribunal Federal (STF), através de diversos julgados, especialmente na área de medicamentos especiais e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) na área de controle judicial de tarifas públicas (política econômica). Como já enfatizei, não podemos substituir a discricionariedade técnica do administrador público pela discricionariedade do juiz. O administrador público, a par de sua qualificação técnica, derivada da existência de uma burocracia estatal destinada a formular políticas públicas, é eleito pelas urnas. Se o administrador público errar, os cidadãos podem mandá-lo de volta para casa. Basta que não o reelejam. Com os juízes a situação é bem diversa, pois além de não estarem estruturados para formular políticas sociais e econômicas que miram no futuro, detêm mandato vitalício, ou seja, se errarem não existe a possibilidade de responsabilização política ou mesmo civil.