Entrevista com o Autor


Dra. Mariana Massara Rodrigues de Oliveira
em 25/01/2008

Responsabilidade Civil dos Médicos

Mariana Massara Rodrigues de Oliveira é Defensora Pública do Estado de Minas Gerais, lotada junto ao Juizado Especial das Relações de Consumo de Belo Horizonte; Mestra em Direito Civil, pela Universidade Federal de Minas Gerais; Professora do curso de Pós-graduação em Perícia Médica, junto à Fundação Unimed, promovido em vários Estados do país. Autora da obra "Responsabilidade Civil dos Médicos - Repensando a Natureza Jurídica da Relação Médico-Paciente - Cirurgia Plástica Estética e seus Reflexos em Relação ao Ônus da Prova"

1- O que a motivou a compor tal obra com esse tema?
R:
A forma incoerente e injusta como a maioria dos tribunais vêm rotulando a obrigação do cirurgião plástico estético, considerando-a como obrigação de resultado, quando ela deveria ser encarada como obrigação de meio, do mesmo modo que em todas as outras especialidades médicas, inclusive na cirurgia plástica reparadora, tendo em vista o fator aleatório ou de risco, existente em qualquer intervenção cirúrgica, impossibilitando, assim, a garantia de resultados pré-determinados.

2- A responsabilidade civil do médico é idêntica a de outros profissionais?
R:
A responsabilidade civil do médico é a mesma que a de quaisquer outros profissionais liberais, que somente serão responsabilizados se restar comprovado que agiram com culpa, em qualquer uma de suas modalidades – imperícia, imprudência ou negligência.

3- Que providências a classe médica deve tomar no sentido de prevenir o surgimento de conseqüências que resultem em responsabilidade civil?
R:
A fim de se evitar o denominado erro médico, que pode gerar responsabilidade civil, ou seja, o dever de reparar o dano causado ao paciente – seja ele material, moral ou estético – deve não só a classe médica, mas também as instituições atentarem para os seguintes fatores: 

- Seleção rigorosa no acesso + elevação da qualidade de ensino das faculdades de Medicina;
- Educação continuada dos profissionais, tanto técnica quanto ética;
- Garantia de condições adequadas de trabalho – recursos técnicos, humanos e remuneração condigna; 
- Ato médico de qualidade;
- Ações preventivas, como estabelecimento de uma relação médico-paciente consistente e adequada; coleta de termo de consentimento esclarecido do paciente, após prestadas todas as informações necessárias a respeito do tratamento, seja ele clínico ou cirúrgico; cerceamento de expectativas infundadas criadas pelo paciente, etc.
- Registro bem elaborado no prontuário do paciente (escrito ou eletrônico) a respeito do quadro clínico, evolução do tratamento e demais informações pertinentes.

4- A doutrina é praticamente unânime em afirmar que a responsabilidade civil do médico é contratual, porém possui relevância a natureza do contrato que vincula o profissional ao seu cliente?
R:
A discussão sobre a natureza jurídica da relação entre o médico e o paciente mostra-se superada, posto que independente de ser a relação contratual ou extracontratual, o que importa apurar é se houve ou não culpa do profissional, que representa o elemento determinante para gerar uma obrigação de indenizar, juntamente com outros 2 elementos, quais sejam: a existência de um dano e o nexo de causalidade entre a conduta culposa do profissional e o dano causado.

5- A relação médico-paciente normalmente se dá em ambiente reservado, como um consultório ou uma sala de cirurgia, na maioria das vezes de forma sigilosa e sem a presença de terceiros. Desta forma, como é aferida a culpa do médico para se determinar a responsabilidade civil?
R:
Em uma ação indenizatória por eventual falha médica, a culpa do profissional pode ser aferida mediante a produção de prova pericial, análise de documentos – como prontuários, exames, termos de consentimento esclarecido, literatura médica e artigos sobre o assunto – testemunhas, se pertinente, e quaisquer outros meios legais de prova que possam auxiliar no deslinde da questão.

6- Existe diferença entre a responsabilidade civil de um cirurgião plástico estético e os demais cirurgiões da classe médica?
R:
A doutrina jurídica e os tribunais são unânimes ao afirmarem que é induvidoso o fato de a obrigação dos clínicos e cirurgiões em geral, inclusive a do cirurgião plástico reparador, ser de meio, já que eles não se comprometem com a cura, mas sim, buscam utilizar toda a sua potencialidade física e mental, todo o cuidado consciencioso e atento, de acordo com as aquisições da ciência, para atingir o melhor resultado possível. Por outro lado, quanto à cirurgia plástica estética, também denominada embelezadora ou cosmetológica, no entender de inúmeros autores e maioria dos julgadores, estaria a mesma enquadrada na modalidade obrigação de resultado. Todavia, observa-se que é incoerente e inadequado alijar a cirurgia plástica estética das obrigações de meio, vez que, como qualquer outra intervenção cirúrgica, mostra-se suscetível a uma série de intercorrências e complicações, como por exemplo, cicatrizes inestéticas, hematomas, necrose de tecidos, etc. Por oportuno, impõe-se considerar, no que concerne às complicações oriundas do próprio paciente, correspondem aos imponderáveis e aquelas ocorrências que não podem ser evitadas por um planejamento cuidadoso e esmerada execução técnica. Estas são representadas pela resposta orgânica do paciente, estando intimamente ligadas ao fator álea - risco, caracterizado pelas reações individualizadas de cada paciente (participação passiva), frente a um mesmo tratamento, seja clínico ou cirúrgico. Assim, o enfoque dado por essas decisões judiciais sobre a responsabilidade civil do médico, em casos de cirurgia plástica estética, considerando-a como obrigação de resultado, em detrimento da reparadora, que seria de meio, carece de fundamentos tanto éticos como técnicos, portanto, não podendo tal situação ser aceita pacificamente, eis que é inegável a presença do fator aleatório, imponderável, bem como da participação passiva do paciente diante do ato cirúrgico. E nessas hipóteses, em que as manifestações adversas são absolutamente imprevisíveis, ou até incontroláveis, surge o verdadeiro caso fortuito, a ser debitado ao infortúnio, não se podendo imputar responsabilidade ao profissional pelo insucesso, desde que tenha alertado previamente o paciente da possibilidade dessas indesejáveis intercorrências.

7- A apuração da culpa em uma ação indenizatória, resultante de má prática médica, pode ser prejudicada pela produção de prova pericial deficitária, em virtude do perito se deixar levar pelo espírito de classe “corporativismo”, ocultando assim a verdade? Que providências devem ser tomadas para que isso não ocorra?
R:
Sim, eis que o perito – de confiança e nomeado pelo juiz – que oculta ou falseia a verdade dos fatos pode levar o magistrado a erro, tendo em vista que o juiz, embora não esteja adstrito ao laudo pericial, vale-se dele com muita freqüência, nas demandas de má prática médica, vez que a apuração dos fatos depende de informações técnicas e científicas (médicas) que, na maioria das vezes, não integram a alçada de conhecimento do magistrado. Por outro lado, o perito – com maior razão aquele que se afasta da imparcialidade – pode ser destituído do cargo, pelo próprio juiz que o nomeou, determinando-se a realização de nova perícia. Ademais, o perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficará inabilitado, por 2 anos, a funcionar em outras perícias e incorrerá na sanção que a lei penal estabelecer, conforme determinação legal. Por fim, vale mencionar que existem expedientes para afastar aqueles peritos suspeitos ou impedidos, conforme previsão expressa nos artigos 138 c/c 134 e 135 do Código de Processo
Civil.