Entrevista com o Autor


Dr. Givanildo Nogueira Constantinov
em 08/02/2008

Biossegurança e Patrimônio Genético

Givanildo Nogueira Constantinov é Juiz de Direito, Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná, Especialista em Direito Ambiental e Mestre em Direito Administrativo – Tutela de Direitos Supraindividuais. Autor da obra "Biossegurança e Patrimônio Genético".

1- Como o senhor definiria a Bioética e o Biodireito?
R:
Objetivamente pode-se dizer que Bioética corresponde às normas éticas que resguardam a vida, devendo ser ressaltado que qualquer experimento que tenha o condão de envolver, direta ou indiretamente o ser humano deve ter em relevo, de forma significativa, alguns princípios como o da dignidade da vida humana e o do não sofrimento. A noção de Biodireito, por sua vez, compreende o conjunto de normas materialmente construídas de maneira a coordenar as relações da Bioética, principalmente nas atuações médico-científicas.

2- O Brasil reconhecidamente é o maior país em biodiversidade no mundo. Que medidas existem, no sentido de evitar ou ao menos inibir o envio irregular de patrimônio genético para além das divisas brasileiras?
R:
O Brasil, em termos legislativos, está apenas “engatinhando” no que tange à elaboração de normas específicas de proteção da biodiversidade, entendida no seu mais amplo conceito; duas situações merecem ser ressaltadas: os crimes de bio-pirataria, por exemplo, que consistem na retirada ilegal de espécimes animais de nossa fauna e na retirada de espécimes da flora ou de seus princípios ativos não são contemplados por legislação específica, amoldando-se, o tipo penal respectivo, na conduta concernente ao tráfico de animais que, de maneira restrita, pode coibir o envio irregular de patrimônio genético para fora do país.

Existem, ainda, algumas medidas nacionais e internacionais de proteção à propriedade industrial, que dispõem sobre a realização de pesquisas por empresas brasileiras e que podem importar em forma de proteção para futuros produtos à base dos princípios ativos oriundos das plantas brasileiras que poderão estar protegidos pela patente das fórmulas ou princípios ativos da flora pátria.

3- Com relação aos alimentos transgênicos, o que são e quais perigos, podem trazer à saúde humana?
R:
A obra Biossegurança & Patrimônio Genético – Tutelas de Urgência, Responsabilidade Civil, Responsabilidade Social, Proteção do Patrimônio Genético, possui um capítulo inteiro que contempla os Processos de Obtenção de Organismos Geneticamente Modificados, com especificações técnicas apesentadas nos seguintes moldes: “Pela tecnologia do DNA recombinante, é possível hoje cindir o DNA em pontos específicos, utilizando-se enzimas (clivagem); isolar seletivamente um gene de interesse (clonagem); unir esse segmento a outro DNA que servirá como portador, ou vetor, e, finalmente, introduzir a molécula de DNA resultante dessa união, em outro organismo (transformação genética)”. Entretanto, didaticamente, pode-se afirmar que um organismo é considerado transgênico quando se misturam a ele genes de outras espécies.

Quanto ao fato relacionado aos perigos dos produtos à base de sementes transgênicas à saúde humana, há que se ressaltar que não existem estudos conclusivos a respeito, mas o mundo todo, especialmente a União Européia, obriga à identificação de tais produtos quando colocados para o consumo humano. Assim, a falta de experiência com os Organismos Geneticamente Modificados e a potencial possibilidade de geração de efeitos adversos ao ser humano e ao Meio Ambiente, como resultado dos genes altamente alienígenas inseridos em seus genomas, são as bases das regulamentações de Biossegurança.

4- Não podemos nos furtar à questão da clonagem. O senhor acha possível a clonagem humana? O Brasil impõe restrições com relação à clonagem humana?
R:
Tal assunto é extremamente relevante e causa reação nas mais diversas camadas e classes sociais. Entretanto, embora a obra não seja dedicada à clonagem humana, mas puramente aos processos de obtenção de Organismos Geneticamente Modificados de origem vegetal, alguns comentários devem ser tecidos a respeito, uma vez que a questão será abordada com amplitude posteriormente.

Ressalta-se, assim, que hodiernamente vivemos em uma sociedade consumista e temos sonhos e temores: sonhamos com uma vida longa, com a fonte da juventude e com a possibilidade de sermos eternos. O homem não nasceu para a morte e por isso a teme e sempre sente a falta da um ente querido quando este morre. Diante dessas colocações e pelo conhecimento pessoal acerca dos avanços tecnológicos, a ilação a que se chega é de que é possível, sim, a clonagem de um ser humano, mas a questão do “eticamente correto” carece de análise diante da repercussão que o tema suscita e da possibilidade de se permitir que o homem supere a própria natureza ou uma força maior no trabalho de criação. As conseqüências poderiam ser desastrosas visto que a natureza levou milhões de anos para levar à evolução do ser humano; sua recriação é algo que extrapola, portanto, os limites da Bioética e é por isso que a Lei de Biossegurança, a Lei n. 11.105/2005, prescreve em seu art. 6º, inciso IV que: “Art. 6° Fica proibida: [...] IV – clonagem humana”. 

5- No aspecto da responsabilidade civil, o que fazer quando os danos causados se mostram tão profundos, às vezes irreversíveis, ao ponto da simples reparação não se apresentar como solução?
R:
Normalmente, em se tratando de dano ambiental, a responsabilidade civil com a restituição do status quo ante é quase que inatingível dado ao alto grau de complexidade do bem ambiental. Dessa forma, no caso de possível dano, há que se aplicar as tutelas inibitórias ou de remoção de ilícito, entretanto, para os danos concretizados que não puderem ser restituídos, o amparo da pretensão deverá ocorrer pela aplicação da “tutela pelo equivalente”.

6- Como os Tribunais brasileiros têm julgado quando provocados, questões que envolvam manipulações genéticas?
R:
A questão é bastante ampla e comportaria a abordagem do assunto nas suas mais diversas ramificações, por exemplo, plantio de sementes transgênicas, células tronco, descarte de resíduos e descarte de embriões dentre outros. De forma geral os Tribunais têm debatido o assunto, porém, o tema que mais chegou ao Superior Tribunal de Justiça foi o que trata do plantio, transporte, comercialização e industrialização de sementes transgênicas. Nestes casos o Tribunal mencionado tem decidido pela observação e aplicação do princípio da precaução e faz menção à Lei de Biossegurança. Em outras situações como células-tronco, por exemplo, não houve provocação daquele Tribunal e o assunto deverá estender-se pelas próximas décadas até por que, como ressaltado anteriormente, pesquisas sobre possíveis danos à saúde humana e ao meio ambiente envolvendo OGMs ainda estão em fase inicial.