Entrevista com o Autor


Dr. Leonir Batisti
em 18/05/2007

Direito Processual Penal

Leonir Batisti é Professor de Direito Processual Penal desde o ano de 1985, tendo lecionado tal disciplina na Unipar, Umuarama, PUCPR e Fundação Escola do Ministério Público – Londrina. Atualmente leciona a disciplina na Escola da Magistratura – Londrina e Universidade Estadual de Londrina. É Promotor de Justiça desde 1981 e presentemente atua na Comarca de Londrina. Cursou especialização em Metodologia do Ensino Superior na Unipar – Umuarama. É Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, tendo obtido na dissertação o conceito A com distinção, com o tema Direito do Consumidor para o Mercosul, transformado em livro publicado pela Juruá. Autor das obras "Direito do Consumidor para o Mercosul e Curso de Direito Processual Penal - Volume I, II, III e IV".

1-  A respeito da anterioridade da lei penal, o art. 5°, XXXIX, CF, dispõe: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Diante disso, o crime se sujeita exclusivamente à anterioridade da lei, ou a contravenção também se sujeita ao mesmo princípio?
R: Não resta dúvida de que a contravenção também se sujeita ao princípio da anterioridade. A terminologia da Constituição deve ser interpretada como mais ampla do que o sentido técnico restritamente penal-processual do termo. Essa resposta, aliás, está montada nas próprias raízes históricas do princípio da anterioridade.

2-  A presunção de inocência, estabelecida pela Constituição Federal, foi destinada efetivamente ao processo penal, objetivando protelar a execução da sentença até que todos os recursos se esgotem, evitando assim, conseqüências psicológicas traumáticas, causadores de pedidos de indenização. Como seria possível fazer este princípio, desempenhar a função que lhe cabe, sem que haja a vulgarização que se impôs nos dias de hoje, a ponto de transformá-lo em escudo da impunidade, subterfúgio jurídico e ameaça ao regime democrático?
R: A menção a presunção de inocência surgiu com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, com a Revolução Francesa. Era até comum, à época, que pessoas fossem presas por ordem de alguém, simplesmente porque essa autoridade, em particular, tinha ouvido um boato ou uma conversa de que determinada pessoa estaria tramando. Posteriormente, evoluiu para a idéia da decisão definitiva como condição para poder alguém ser declarado culpado e, assim, ser compelido a cumprir pena. Por isso a presunção de inocência passou a tangenciar e a interelacionar-se com o devido processo legal penal. Há duas linhas óbvias a seguir, em nosso entender: Primeiro, que se garanta o duplo grau, mas que aí se encerre o mérito da decisão que passe a ser cumprida; Segundo, que se simplifique o próprio processo. Por exemplo: simplificando as intimações, concentrando os atos processuais, limitando número de testemunhas, dispensando-se as testemunhas de mero antecedentes, etc.

3-  Com relação à imunidade parlamentar, como se dá o pedido de sustação do andamento da ação por um partido político na Casa Legislativa? A sustação interfere no prazo prescricional da ação?
R: Atualmente, já não há mais necessidade de autorização da Casa Legislativa para o processo contra parlamentar. O Supremo apenas deve dar conhecimento à Casa Legislativa respectiva e esta, poderá deliberar suspender o processo. Neste caso, a partir da comunicação da suspensão da Casa Legislativa ao Supremo, suspende a prescrição enquanto durar o mandato, uma vez que, cessado o mandato o processo pode automaticamente prosseguir e passa a correr novamente o prazo prescricional. Importante é notar que pelos crimes antecedentes ao mandato, sequer há possibilidade de suspensão.

4- Como se comporta o prazo decadencial de um crime de alçada privada, em que o ofendido deve entregar em juízo a queixa-crime?
R: Bem, quanto a este assunto não parece haver dúvida. O prazo para o advogado do ofendido entregar em Juízo, ou seja, distribuir a queixa-crime, é contado da data do conhecimento da autoria do fato. Lógico que isto pode resvalar para discussão quanto à data em que o ofendido veio a saber quem é o autor do fato.

5- A respeito do Princípio do Promotor Natural, que tipo de dúvida tem havido nos tribunais superiores  no  atinente à esse princípio?
R: Há uma posição que nega a própria  existência do princípio. Realmente, o Promotor tem uma função plurivalente no processo penal, dado que, é quem promove o processo, e por isso, tem interesse no resultado deste, mas, ao mesmo tempo, deve antes ter interesse na justeza, para não dizer justiça da decisão.  Outra posição entendia haver necessidade de lei que especificasse a extensão do princípio. E uma terceira posição entendia aplicar-se o princípio sem maiores reservas. A nós nos parece que este princípio aplica-se sim,  mas não na mesma intensidade com que se aplica o princípio do Juiz natural. O parâmetro é o seguinte:  não pode ser afastado Promotor Natural para outro ser indicado em seu lugar, sem justificativa. Obviamente, a justificativa deve atender à natureza das funções exercidas pelo parquet.
 
6-  A emenda constitucional 45/04, acrescentando ao art. 109 da Constituição Federal, o § 5°,  possibilitou o  deslocamento de competência para a Justiça Federal dos crimes contra os direitos humanos. O Código Penal não lista que crimes seriam esses. Desta forma, como se faz possível a identificação de tais crimes e quais os requisitos para o deslocamento de competência?
R: Há alguns que negam até a constitucionalidade da regra constitucional introduzida pela Emenda. Sem assumir uma posição sobre isto, pode-se depreender que o requisito principal é inércia do aparelho judicial que seria competente para apuração. Curiosamente os Tratados Internacionais protegem principalmente os acusados, mas, como é lógico, infere-se que a punição desestimula o descumprimento dos direitos fundamentais, e daí a necessidade de apuração e processo, que frequentemente leva a que esse tipo de impunidade seja citada nos Relatórios Internacionais sobre Direitos Humanos.. Quanto aos crimes, em princípio, seriam todos aqueles que violem direitos fundamentais, em particular o direito à vida, em que esteja presente um caráter não exclusivamente pessoal. Na realidade, tais crimes seriam aqueles em que o motivo da morte da vítima é a sua participação na defesa de interesses sociais.  Não há dúvida, porém, que a falta de lei que esclareça estas situações determina uma dose muito grande de arbítrio, e neste particular,  a repercussão do fato muitas vezes é que vai justificar o pedido de deslocamento.

7-  A muito se tem falado sobre a legalidade ou ilegalidade dos atos investigatórios patrocinados pelo Ministério Público. Ao que parece, o STJ se mostrou favorável, desvinculando a atuação do MP à existência de inquérito policial. Já o STF se manifestou contrário a propositura de ação penal sem prévio inquérito policial, que lhe garanta vida. No presente momento, como essa questão vem sendo administrada por ambas as Cortes e pelo MP?
R: O julgamento não foi concluído, mas não há dúvida que deve vir a prevalecer a posição que admite investigação própria do Ministério Público. Há, por exemplo, um projeto de lei no Congresso Nacional, que quanto aos crimes contra a ordem tributária dispensa o inquérito. Efetivamente, o senso comum indica que, se se dispensa o próprio inquérito e se é possível iniciar ação penal com outras peças de informação,  que essas peças de informação possam ser conseguidas pelo Ministério Público mediante investigação própria. Até porque, se essas peças de informação ou investigação não contiverem suficiente base fática, o órgão judicial rejeitará a acusação, e isto dá proteção ao acusado. O Ministério Público vem continuando a entender que pode obter dados para um processo, mediante investigação própria.  Isto, é bom ressaltar, não significa que o Ministério Público esteja a fazer inquérito policial, que é exclusivo da polícia, nem tampouco significa que esteja pretendendo substituir-se à Polícia. Tudo isto só acentua a necessidade de profundas reformas.  Aliás, um aspecto da reforma será o de dispensar apuração mais profunda para infrações menos graves, no caminho que já está trilhado pela atual Lei dos Juizados Especiais.

8-  Quando se fala em reforma, qual dado ou situação há a mudar ou a considerar?
R: Bem, uma reforma tem que ser pensada e especialmente implantada com consideração do todo. O problema de reformas pontuais é que se perde a noção do conjunto. Penso, que de início, se deva pelo menos mudar o comportamento e o tratamento quando alguém é preso em flagrante, por exemplo. No mínimo, creio que deveria haver um LEVANTAMENTO SOCIAL E FAMILIAR, para se pensar em como impedir que aquela pessoa automaticamente venha a continuar a cometer crimes. Parece muito importante que  pelo menos a FAMÍLIA seja envolvida na situação. Muitos dirão que estas pessoas presas, por exemplo, após um assalto ou furto, sequer tem família.  É certo: mas, ainda assim  considero, que esse ponto, TER OU NÃO LIAME FAMILIAR OU AFETIVO, é muito importante para tratar do problema e deve  ser levado a cabo. Em quase 100% das vezes, nem a polícia, nem ninguém tem sequer idéia de onde veio a pessoa quando decidiu fazer um assalto, para onde ela possivelmente se dirigiria, qual é o meio social,  etc. É necessário passar à pessoa e à família e ao próprio meio social a idéia de que há um sistema que vê aquela pessoa presa de uma forma mais completa.  O que se passa hoje é a idéia tola de que a força da lei se abateu sobre aquela pessoa e a família. Veja-se que a experiência mostra, no essencial, que quando esta pessoa é libertada, no mais das vezes ela sequer tem consciência de que continua com um processo na Justiça. Melhor: às vezes até sabe, mas não tem e finge não ter qualquer idéia de como as coisas se sucederão. 
 Enfim, a certeza é de  que o nosso sistema legal de combate à criminalidade, incluindo especialmente o processo,  precisa ser muito, muito melhorado mesmo. Com nosso sistema, vamos ter que deixar de aplicar o termo marginal, porque está perdendo seu real sentido.