Entrevista com o Autor


Dr. Jean Carlos Dias
em 20/02/2008

O Processo de Conhecimento

 

Jean Carlos Dias é Doutor em direitos fundamentais e Mestre em instituições Jurídico-Políticas, títulos outorgados pela Universidade Federal do Pará. É pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá – RJ. É Professor de Teoria do Direito, Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil do Centro Universitário do Pará – CESUPA, tanto na graduação como na pós-graduação. É professor convidado de diversos programas de pós-graduação em todo o Brasil. É professor da Escola Superior da Magistratura e do Centro de Formação Profissional do Ministério Público do Estado do Pará. É advogado, sócio de Bastos e Dias s/s – Direito Empresarial e Diretor Geral da Escola Superior da Advocacia do Estado do Pará. É membro do instituto dos Advogados do Estado do Pará e do instituto Brasileiro da Política e Direito da Informática. É autor das obras "Curso Crítico do Processo de Conhecimento", "Tutelas de Urgência - Princípio Sistemático da Fungibilidade", "O Direito Contratual no Ambiente Virtual - De acordo com o Novo Código Civil" e "Gestão das Sociedades Anônimas - Aspectos Jurídicos"

1- Diante de um mundo de tecnologias diárias, sociedades de massa, choques culturais e sucessivas crises disseminadas, o Direito Processual Civil, está conseguindo se adequar a essa nova realidade, produzindo soluções para os conflitos existentes?
R:
O Direito Processual Civil tem passado por uma verdadeira revolução. A revisão crítica dos seus paradigmas, a introdução das técnicas de informática e a tendência de fortalecimento do processo coletivo são respostas à constatação de que a teoria tradicional e os institutos processuais nela inspirados oferecem um resultado muito restrito do ponto de vista do atendimento das demandas contemporâneas . Tudo que está sendo feito no âmbito da doutrina e da legislação está direcionado para a construção de um sistema processual mais moderno e acessível.

2- Na sua obra, o senhor menciona que o indivíduo titular dos direitos humanos não pode ser entendido como o mesmo indivíduo que é o centro da teoria liberal. Onde reserva-se a diferença entre ambos?
R:
O Liberalismo clássico era estruturado em função da noção de indivíduo como uma unidade de direitos que deveriam ser respeitados pelo Estado. Essa base teórica levou a conformação de sistemas de normas cuja principal finalidade era assegurar a liberdade e o direito de privacidade. Na sociedade contemporânea esses direitos já estão consagrados e reconhecidos na ordem jurídica (ainda que muitas vezes a esses direitos não corresponda a realidade social). O individuo na atual Teoria do Direito é o titular de direitos fundamentais cuja tipologia transcende a luta contra a intervenção estatal. Por isso, a noção de individuo tem que ser elaborada tendo em vista direitos mais amplos que envolvem, inclusive, o meio-ambiente e o direito ao desenvolvimento. Naturalmente o processo como reflexo operacional desses direitos deve ser adaptado progressivamente à obtenção desses novos patamares.

3- No que consiste o “monopólio da última palavra”, também conhecido como “monopólio dos tribunais”?
R:
O tema é extremamente debatido. Na minha tese de Doutorado procuro demonstrar que a intervenção do Judiciário na formulação de políticas públicas não deve ser ancorada na idéia de monopólio, mas sim na clássica teoria americana de “check and balances” que justifica um modo de relacionamento institucional sustentado em uma teoria constitucional compatível com sociedades que pretendem ser plurais e ao mesmo tempo organizadas.

4- O fato do entendimento de lide versar sobre conflito que tenha alcançado um certo grau de complexidade jurídica, ou seja, o entendimento de que a lide é um conflito qualificado, não se contrapõe à idéia do democrático acesso à justiça? É descabida e talvez utópica, a idéia do irrestrito acesso à justiça?
R:
No “Curso Crítico do Processo de Conhecimento” exponho o sentido clássico de lide, mas demonstro que essa noção somente faz sentido hoje em dia se em consonância com os direitos fundamentais consagrados o que torna necessário redefinir todos os conceitos tradicionais inclusive o de lide tal como concebido por Carnelutti. Naturalmente, essa percepção deve ser articulada como outros princípios básicos, como a estruturação dos poderes, a democracia e a dignidade humana.

5- Abordando o instituto da prova, o senhor menciona em sua obra, que a finalidade desta não é a obtenção da verdade e tampouco há como alcançá-la por meio do processo e da instrução probatória. Desta forma, qual seria a real finalidade da prova? É possível alcançar a verdade?
R:
Embora venha sendo estudado há várias gerações de processualistas, o fato é que o tema a respeito das provas ainda é aberto a investigação científica. Como demonstro no livro a prova produzida em um processo é “ conhecimento” e assim sendo está sujeita a análise detida ( crítica no sentido kantiano) sob diversas abordagens. A finalidade da prova é oferecer elementos de argumentação capazes de sustentar uma decisão judicial.

6- O senhor concorda que ainda paira a desconfiança quanto à efetividade do processo de conhecimento, tendo em vista o formalismo e o emaranhado de atos que o mesmo comporta, influenciando assim para sua morosidade?
R:
Concordo apenas parcialmente. O processo de conhecimento brasileiro é bastante bem estruturado e razoavelmente simples. A complexidade que se aponta como um fator negativo decorria muito mais de má aplicação das regras e princípios a ele relacionados, da crônica incapacidade operacional do sistema judiciário nacional e das deficiências óbvias da execução. Todos os três pontos foram atacados pelas recentes reformas o que nos levou a priorizar a segunda edição do livro.

7- A possibilidade e a necessidade de se acelerar o processo por meio da busca de opções de procedimentos é um fenômeno particular do Brasil ou se alastro pelo mundo inteiro?
R:
Existem várias alternativas sendo simultaneamente testadas em âmbito global: a instituição de equivalentes jurisdicionais, a exigência de prévia tentativa de transação, a ampliação do papel do Estado como conciliador, por exemplo, somente chegaram ao Brasil por influência de experiências estrangeiras. Penso que é preciso deixar claro que o processo civil brasileiro ainda é uma dos mais antenados e modernos e que em termos globais não existe um processo perfeito, mesmo em países desenvolvidos há pesquisa e reflexão em como otimizar a atuação jurisdicional.