Entrevista com o Autor


Dr. Cāndido Furtado Maia Neto
em 12/03/2008

O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos

Cândido Furtado Maia Neto é Professor do Ministério Público e Professor da Universidade Paranaense. Pós-Doutor pela Universidad del Pais Vasco, EHU, Espanha. Doutor em Direito pela Universidad Del Zulia, UNIZULIA, Venezuela. Mestre em Ciencias Penales y Criminologicas pela Universidad Del Zulia, UNIZULIA, Venezuela. Autor das obras "O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos - Acusação com Racionalidade e Legalidade por um Ministério Público Democrático", "Direito Constitucional Penal do Mercosul - Direitos Humanos, Meio Ambiente e Legislação Comparada" e "Direitos Humanos e Ciências Penais - Em homenagem ao Ministro Felix Fischer do STJ".

1- O que o motivou a escrever sobre tema tão amplo e complexo e quais os principais pontos abordados em sua obra (Promotor de Justiça e Direitos Humanos)?
R:
Tenho pensado após alguns anos de prática forense, na área da justiça penal que se faz necessário esclarecer à sociedade em geral e em específico aos profissionais e alunos de direito sobre a nobre função dos representantes do Ministério Público. Principalmente sobre a sublime missão dos Promotores de Justiça, na tutela dos direitos indisponíveis da cidadania, dentre eles os Direitos Humanos das pessoas encarceradas, processadas, presas ou condenadas, ante as garantias judiciais contidas na Constituição federal, para o devido justo e necessário processo penal legal. Por isso o sub título da obra “Acusação com racionalidade e legalidade, por um Ministério Público Democrático”.

2- As atuações do MP cada vez mais renderam histórias de grande audiência, transformando mesmo que involuntariamente seus membros em “estrelas”. Desta forma, tornam-se o centro das atenções e algumas vezes são flagrados em condutas incompatíveis com a exigida impessoalidade da instituição, como por exemplo nos casos dos notórios procuradores-gerais da República, Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb. Como é trabalhada a mente dos promotores estaduais e federais no sentido de se acautelarem contra deslumbramentos e/ou armadilhas existentes nos ambientes em que transitam e atuam? Existe acompanhamento psicológico dentro da instituição ou estão estes entregues a “própria sorte”?
R:
Todos estão entregues a própria consciência, porque os agentes do Ministério Público possuem autonomia funcional, assim expressa a Carta Magna, para a instituição, e como cada membro do Ministério Público é um representante autônomo da instituição, cabe-lhe a análise do fato sub judicie, dentro da ótica da lógica, da racionalidade e da estrita legalidade. A principal função do agente do Ministério Público, seja estadual ou federal, é a tutela dos direitos indisponíveis, em outras palavras, trata-se da proteção dos Direitos Humanos ou dos direitos fundamentais, assim é preciso que todos os membros do Ministério Público sejam informados, orientados que não são Promotores de Acusação, mas verdadeiros Ombudsman dos Direitos Humanos.

3- Não é de hoje que procuradores/promotores e os policiais federais vivem uma verdadeira disputa predatória que acabou por resultar numa Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal contra a Lei Orgânica do Ministério Público. Como o senhor interpreta esta conflituosa situação?
R:
A questão está no descompasso ou na divergência entre os ditames da Constituição federal com os dispositivos do Código de Processo Penal, este adota o hediondo sistema inquisitivo, e a Carta Magna o sistema acusatório democrático.
É preciso saber que é impossível chegar a uma conclusão lógica e jurídica com este descompasso enorme entre o texto constitucional e a norma ordinária. Para resolver a questão é necessário uma reforma global no sistema processual penal brasileiro; porque todas as normas de direito penal material ou forma, necessitam de reforma legislativa pelo Congresso Nacional. O Código de Processo Penal é um lei federal, se desejamos que o Ministério Público investigue e controle a polícia (externamente), é preciso aprovar uma norma penal federal, nesse sentido. Qualquer resolução ministerial é de natureza administrativa e não possui valor no processo penal.

4- O senhor entende ser o Ministério Público um órgão indispensável ao sistema internacional e nacional de proteção aos direitos humanos?
R:
Sem dúvida. É a instituição do Ministério Público a responsável pela proteção dos direitos fundamentais da cidadania, pela interpretação e aplicação correta da lei, ante o princípio da hierarquia vertical das normas. Os instrumentos de Direitos Humanos e suas cláusulas legais possuem valor superlativo, prevalente ou superior a todas as outras regras vigentes.
O sistema constitucional estabelece que as garantias fundamentais são auto-aplicáveis e qualquer ofensa caracteriza o crime de abuso de autoridade, dentre eles as ofensas aos direitos humanos, a litigância de má-fé, a denunciação caluniosa, etc.
Qualquer atentado aos Direitos Humanos, incumbe responsabilidade ao Estado, este é cobrado internacionalmente, e seus agentes ou autoridades constituídas deverão ser responsabilizadas pelo Ministério Público, seja na área penal, administrativa ou civil.

5- O Ministério Público tem sido o agente mais atuante na defesa de direitos coletivos pela via judicial e dado que os conflitos relativos a tais direitos têm geralmente conotação política, não seria inoportuno dizer que também tem impulsionado um maior processo de judicialização dos conflitos políticos e em contrapartida também, da politização do sistema judicial? Ao seu ver, este processo é válido e concreto?
R:
É preciso difundir os Direitos Humanos, em todas as suas áreas de proteção. Muitos direitos coletivos são direitos fundamentais. A politização dos direitos é importante no Estado Democrático, mas a atuação e a prestação jurisdicional deve ser imparcial e apolítica, só assim teremos o devido processo legal e a efetivação da justiça, com letra maiúscula.
O sistema legal de justiça deve ser independente, e seus operadores não devem se envolver em questões políticas partidárias; mas devem defender os direitos fundamentais da cidadania, dentre eles os direitos sociais e culturais básicos.

6- Procede a afirmação, que com o advento da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público foi retirado da esfera de controle do Poder Executivo, sendo conferido àquele, autonomia administrativa e independência funcional, deixando de defender o Estado e passando a confeccionar ações no sentido de fiscalizar e guardar pelos direitos da sociedade?
R:
Sim. A afirmação está correta. Para responder esta questão basta mencionar três pensamentos de ilustres juristas e autoridades públicas; a saber:

O Ministério Público não recebe ordem do Governo, não presta obediência aos Juizes, pois atua com autonomia em nome da sociedade, da lei e da Justiça”. PRUDENTE DE MORAES 1º Presidente civil da República (1894-1898)

O ofício do Ministério Público é exercido em nome da soberania do Estado. Não é mais concebível o membro do Ministério Público, como agente conectado institucionalmente na hierarquia do Poder Executivo. Os integrantes da carreira do Parquet, são agentes políticos independentes, porque atuam em nome da soberania dos Poderes do Estado”. Ministro HELY LOPES MEIRELES

A majestade do Ministério Público é incompatível com a subordinação ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo”. EDGARD BRITO CHAVES JUNIOR

7- Com relação à ação civil pública, o fato desta ter concretamente (Lei Complementar no 40, de 14 de dezembro de 1981) "preexistido" ao texto de 1985, que a regulamentou, pode ser interpretado como uma evolução legislativa e processual, tendo como ponto de partida, leis que instituem direitos ou regulam atribuições de uma organização ao mesmo tempo que lançam as bases para um aperfeiçoamento posterior?
R:
Acredito primeiramente que todas as normas que antecederam, ou seja, que estavam em vigor antes da Constituição de 1988, devem ser analisadas com relação ao princípio da recepção das normas e da inconstitucionalidade.
Falo desta forma, porque vemos leis flagrantemente inconstitucionais que ofendem ou que estão em total desacordo com a Carta Magna, e continuam sendo utilizadas – indevidamente – na práxis jurídica, em muitas vezes a doutrina e a jurisprudência vem falhando no sentido de afirmar que tais normas forma recepcionadas. A Constituição federal só recepciona normas que não conflitem com o sistema novo adotado.
A ação civil pública é um instrumento importante para a defesa dos direitos coletivos ou difusos, mas é preciso que sejam regulamentados todos os aspectos, por lei federal, sem contudo ferir normas gerais de caráter penal, administrativo ou civil – princípios reitores -, como normas gerais; já as normas que regem o inquérito e a ação civil pública, são de natureza especial ou própria, porém subsidiária e infra-constitucional. As regulamentações de atribuições e competências institucionais não podem ser contra as regras constitucionais e contra os dispositivos do código penal e processual penal, como por exemplo ao se tratar de crime de improbidade administrativa, devem ser respeitadas as fórmulas legais prevalentes.

8- Diante dos últimos acontecimentos político-econômicos projetados no Brasil, o senhor vê com bons olhos o futuro do Ministério Público e demais instituições públicas?
R:
Vejo, porque cabe a sociedade e ao Ministério Público efetivar o Estado Democrático de Direito.
Digo o seguinte:
O Promotor de Justiça é por excelência o advogado da sociedade, não mais o algoz do Tribunal da Inquisição ou aquele Acusador cego de outrora, bitolado e intransigente, pois hoje atua em base ao princípio da racionalidade, vez que detêm independência e amplos poderes para ex officio impetrar habeas corpus em favor do ius libertatis, solicitar absolvição e deliberar pelo arquivamento das causas injustas, tudo em nome do Estado Democrático para a prevalência das garantias fundamentais indisponíveis, indeclináveis, inalienáveis, inderrogáveis e naturais da cidadania, com a atribuição funcional de exigir a correta aplicação da lei ante as cláusulas vigentes dos Deveres Humanos em base as responsabilidades sociais e a tutela dos Direitos Humanos”. CÂNDIDO FURTADO MAIA NETO