Entrevista com o Autor


Dr. Denis Pestana
em 18/05/2007

                             Delitos Falimentares na Lei 11.101/05

Denis Pestana é Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá/PR; pós-graduado em Direito (proteção jurídica do meio ambiente, ordenação do território e patrimônio histórico) pela Universidad de Castilla – La Mancha (Espanha); Professor de Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá/PR; Professor de Direito Processual Penal na Universidade Norte do Paraná – Unopar (Arapongas/PR); Professor de pós-graduação lato sensu de Direito Penal Tributário na PUC de Londrina/PR e Direito Processual na Unipar de Guairá/PR); membro da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais e do Ministério Público do Estado do Paraná desde 1991. Autor da obra "Delitos Falimentares na Lei 11.101/05 - Biblioteca de Estudos Avançados em Direito Penal e Processual Penal".

1- A legislação vigente tem conseguido acompanhar a evolução da atividade societário-empresarial e conseqüentemente os delitos praticados à sombra desta?
R:
Não, porque já se afirmava outrora que o delinqüente está sempre um passo adiante da lei, portanto, quer em relação aos Delitos Econômicos e aos Delitos Societários, a norma jurídica existente neste campo se expressa de forma cogente e imperativa, visando normatizar a ética intersubjetiva, prescrevendo comandos quer negativos ou positivos, na expectativa de agir (ativa ou passivamente), regulando assim a vida do homem no seio social, nem sempre consegue o legislador prever todas as condutas que atritam bens essenciais para a vida em sociedade, em especial pelas condutas dos denominados “colarinhos brancos”.

2- Os crimes falimentares em essência atentam contra o sistema constitucional de que maneira?
R:
Ante a posição da ciência moderna que se adota na obra, de que o Direito Penal em um Estado de Direito Democrático e Social, tem por fim assegurar as condições de vida, o desenvolvimento e a paz social, vinculado que esta aos postulados da liberdade e dignidade da pessoa humana, tutelando bens jurídicos selecionados primeiro pelo constituinte, posteriormente pelo legislador infra-constitucional, a toda evidência que a Constituição Federal serve como limite ao poder punitivo (traz segurança jurídica ao cidadão) e por outro viés, acaba legitimando o próprio Direito Penal. Nesta linha, se a Constituição Federal tem como objetivo assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais com liberdade, segurança, bem-estar tendo como norte o desenvolvimento dentro do primado da igualdade e justiça em cotejo com a harmonia social, podemos afirmar que em uma unidade de interpretação constitucional (art. 1º, 3º, 5º, 6º combinado com arts. 170. todos da CF), de forma indireta ou mediata, sim, nossa posição é que nos crimes falimentares tutela-se bens jurídico-penais de forma transindividual.

3- Quais as dificuldades enfrentadas na hora de aplicar a norma penal aos crimes falimentares?
R:
Inicialmente, quanto a sua interpretação, logo depois na sua própria aplicação que é distinta e posteriormente, em razão do sistema investigativo, desaguando no sistema de controle formal da criminalidade (Poder Judiciário), em razão dos excessos de recursos e meios protelatórios existentes, com a contribuição pela morosidade. Afora, as novas dificuldades que se irá enfrentar com a possibilidade de investigação pela Policia Judiciária, através do inquérito policial, da qual as repartições policiais não estão preparadas para apurar os delitos econômicos, empresariais e falimentares.

4- A teoria da falência condição é abraçada pela lei falimentar vigente. Quais os avanços trazidos por essa teoria e em que se diferencia do sistema anterior?
R:
Sim, cujo avanço em se comparando com as teorias anteriores (falência-crime, dupla presunção legal, híbrida), porque resulta maior consonância com um Direito Penal garantista, isto é, não se presume ou não responde por crime falimentar o simples fato de ter sido decretada a falência, mas por condutas que tenha praticado com ação ou omissão dolosa, de forma querida ou assumindo o risco de produzir estes fatos, que encontram guarida pelos princípios da legalidade e taxatividade em matéria penal, denominado tipicidade penal, da qual podem resultar conseqüências jurídicas, mediante a sanção penal (pena ou medida de segurança), prestigiando-se assim a responsabilidade penal subjetiva e a interferência do Direito Penal, como um soldado reserva dos outros institutos, ou seja, como “ultima ratio”. Não basta apenas ser declarada a falência, para que se estabeleça o nexo causal com conduta criminosa, há que se analisar a volitividade (dolo) a ação ou omissão e eventual resultado.

5- A atual legislação dá maior amparo à figura do credor, ou este continua enfrentando uma verdadeira via crucis processual?
R:
No aspecto jurídico de dupla face, entendemos que sim, porque de um lado, atento ao art. 47, da LRF, temos que a preocupação com a manutenção e seu erguimento quando em crise da atividade empresarial no sentido de reestruturação, não prescinde de atrelar-se a um tratamento paritário dos credores, porque a proporcionalidade do passivo sempre será o marco, que se denomina na empresa principio da relevância do interesse dos credores. No entanto, não se olvida com a nova legislação do prestigio da interdisciplinaridade do instituto (administradores de empresas, consultores, economistas e área contábil), daí uma tendência por razões diversas de relegar-se à observância do referido princípio. Por outro lado, no campo processual houve uma celerização procedimental, não se descartando a famigerada morosidade da justiça.

6- Parece-nos lógico que o Estado intervenha em matéria econômica para resolver existentes disfunções, mas em suma, essa intervenção fundamenta-se em que princípios constitucionais e objetiva o quê?
R:
Inicialmente a intervenção do Estado, encontra fundamentação por força de unidade de interpretação constitucional (art. 1º, 3º, 5º, 6º combinado com arts. 170. todos da CF), em especial nos princípios da dignidade da pessoa humana, na igualdade social, erradicação da pobreza, mantença do emprego, ancorado na livre iniciativa empresarial, objetivando o bem-estar social, ou por outras palavras, de doutrinadores de escol: “A ordem econômica, tem por fim assegurar a todos existência digna (art 170, CF) – os ditames da justiça social” (Eros Grau, Contribuição para a interpretação critica da Ordem Econômica na Constituição de 1988) contido na obra.

7- A consumação do crime falimentar depende da decretação da falência?
R:
A questão merece reflexão, porque aos fatos típicos praticados no curso da Recuperação Judicial ou Extrajudicial a consumação do crime, independe da decretação judicial da falência, porque esta consiste em uma condição objetiva de punibilidade (art. 180, da LRF), vinculada a categoria da punibilidade (aplicação da pena) e não aos elementos constitutivos e distintos da ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. Por outro lado, os delitos praticados no curso da falência, dentre estes (art. 174, 177, primeira parte, da LRF), a toda evidência estas condutas são passiveis somente no processo falimentar, razão pela qual sua consumação é dependente da decretação.

8- Que mudanças surgiram com o desaparecimento da concordata preventiva e suspensiva e a instituição da recuperação judicial e extrajudicial da sociedade empresária e do próprio empresário com o advento da Lei 11.101/05?
R:
A grande novidade consiste em que nos institutos da recuperação (extra ou judicial), os credores não ficam em segundo plano, ao contrário, proporciona o conhecimento da situação real da sociedade empresária ou do empresário, na qualidade de sujeitos ativos na recuperação, ou seja, não se relega os seus interesses, frente a um favor legal previsto com o instituto da concordata, ou seja, deixaram de ser expectadores e tornaram-se os fiscais e árbitros desta possibilidade de recuperação. Ainda, a necessidade de negociação extrajudicial ou judicial entre a sociedade empresária/ empresário e seus credores. Podemos ainda verificar , dentre outras mudanças, a imprescindível intervenção dos credores, quando houver pedido de recuperação judicial, diretamente ao Estado-Juiz, devendo este convocar os credores no sentido de manifestação. Importante ainda inovação consiste no sentido de que o instituto da recuperação não visa apenas satisfação dos credores ou recuperação da empresa em crise, mas tem por meta cumprir um dos mandamentos constitucionais que é a manutenção da sociedade empresária como origem de fonte de trabalho, manutenção do emprego, fomento com a produção de bens e serviços, que em síntese traduz o bem-estar social.

9- Em seu livro, o senhor afirma que na órbita do Direito Empresarial, o Direito Penal tem a preocupação fundamental com o desenvolvimento da justiça social, dignificando assim o homem. Esse entendimento não acabaria por marginalizar a figura do empresário?
R:
Não, porque atualmente não impera a teoria contratualista, ao contrario, introduz a atividade empresarial nos objetivos constitucionais primeiro garantindo-se a livre iniciativa, mas esta não pode ficar estanque e isolada, mas entrelaçada com os objetivos e fundamentos constitucionais (art. 1º. IV – dignidade da pessoa humana) e 170 “caput” e incisos III e VIII – erradicação da pobreza, mantença do emprego (art.170, da Constituição Federal), onde no artigo 219, da própria CF, verificou-se o prestigio ao capitalismo produtivo, sem descuidar do bem-estar da sociedade, que denominamos bem-comum. Nessa linha, segue o conceito de empresário contido no artigo 966, do no Código Civil (exercício profissional da atividade econômica com finalidade de produção ou circulação de bens e serviços), a toda evidência não se protege somente a livre iniciativa e o privativo, mas aquilo que esta atividade possa representar para a sociedade em geral. Não refoge disso o artigo 47, da Lei n. 11.101/05, portanto, adota-se a teoria institucionalista, pela preservação da empresa.

10- No aspecto processual, que inovações foram trazidas pela lei no sentido de combater os crimes falimentares?
R:
Inicialmente, com a inovação do Administrador Judicial onde a lei exige qualificação, que nem sempre ocorria com a figura do sindico. Por outro lado, desapareceu a figura do híbrido inquérito judicial, possibilitando a investigação pela Policia Judiciária, através do inquérito policial, que continua dispensável e quando o Ministério Público tiver elementos para o oferecimento da denúncia, com legitimidade concorrente, verificando-se eventual omissão por parte deste (p. 1º, do art. 187, da LRF). A competência do juiz criminal (acaba com esta discussão) e determina o procedimento sumário (LRF: art. 183 e 185), com aplicação das novas regras de forma imediata (LRF: art. 192). Por fim, resolveu uma questão intricada sobre a prescrição, adotando as normas gerais do Código Penal (LRF: art. 182).