Entrevista com o Autor


Dr. Alexandre Sormani e Dr. Nelson L. Santander
em 16/07/2008

Súmula Vinculante

Alexandre Sormani é Juiz Federal; ex-Procurador Regional Federal do INSS; Mestre em Direito pelo Centro de pós-graduação da ITE/Bauru; Professor dos cursos de pós-graduação da UFMS – Três Lagoas/MS, da Univem – Marília/SP, da Fadap – Tupã/SP e da FAEF – Garça/Sp; Professor universitário da Universidade Paulista de Bauru e ex-Professor da Universidade de Marília. Autor dos livros "Inovações da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade" e "Súmula Vinculante - Um Estudo à luz da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004 - De Acordo com a Lei 11.417, de 2006".

Nelson Luis Santander é Diretor de Secretária da 1ª Vara Federal de Marília/SP, desde novembro de 2003. Foi, ainda, Diretor de Secretaria da 5ª Vara Federal de Campo Grande e da 1ª Vara Federal de Bauru. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Norte Pioneiro de Jacarezinho e pela Universidade de Marília. Autor do livro "Súmula Vinculante - Um Estudo à luz da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004 - De Acordo com a Lei 11.417, de 2006".

 

1- Em suma, o que é a súmula vinculante e qual a justificativa para sua aplicação em nosso ordenamento?
R:
A Súmula Vinculante é um instituto jurídico recentemente introduzido no ordenamento jurídico pátrio a partir da Emenda Constitucional 45, de 08/12/2004, que se materializa por meio de enunciados, emitidos pelo Supremo Tribunal Federal, os quais, uma vez publicados na Imprensa Oficial, passam a ter efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Duas parecem ter sido as razões para a sua criação: de um lado, minimizar o problema causado pelo enorme número de processos que assolam todas as instâncias do Judiciário, por meio de um enfrentamento que, com a Súmula Vinculante, dar-se-á nas denominadas demandas múltiplas, aquelas ações judiciais que tratam de questões idênticas, mas que são, basicamente, uma mesma ação dividida entre vários sujeitos. De outro lado, busca-se dar uma maior uniformidade à jurisprudência, tornando-a, por força do efeito vinculante, mais previsível.


2- Com o advento da Lei 11.417/06, o entendimento de que a súmula vinculante proporcionaria uma indevida concentração de poder nas esferas mais altas do Judiciário, criando assim uma espécie de ditadura judiciária, ainda encontra substrato ou já houve sua desmistificação?
R:
Na primeira edição de nosso livro, antes mesmo da edição da Lei n. 11.417/06, já defendíamos que esta concentração de poderes não iria ocorrer. Com todo o respeito à opinião daqueles que pensavam ou pensam o contrário, é fácil perceber, pela própria redação do art. 103-A da Constituição Federal, que o risco da chamada “ditadura judiciária” é nulo. Tal dispositivo prevê expressamente como requisito para a edição de súmula vinculante a existência de reiteradas decisões anteriores sobre matéria constitucional. A edição de enunciados de súmulas vinculantes, portanto, exige o prévio debate nas instâncias inferiores do Judiciário, o que afasta a idéia de uma concentração de poderes no STF, em relação ao próprio Judiciário. E em relação aos outros poderes isso também não ocorre. Basta dizer, para afastar tal idéia, que o efeito vinculante não se aplica ao Poder Legislativo no exercício de sua função típica de produzir normas. Ou seja, se o Supremo Tribunal Federal, interpretando determinada lei, edita súmula vinculante vocalizando essa interpretação, nada impede o Legislativo de editar outra lei, modificadora da lei interpretada – o que levaria, fatalmente, à revisão ou ao cancelamento da súmula editada.

3- A possibilidade de revisão ou cancelamento da súmula pelo STF, promovido pelo legislador no art. 103-A, vem combater a alegação dos que entendem ser a súmula vinculante, uma fomentadora do engessamento do pensamento jurídico nacional. Na prática, como se daria a revisão ou cancelamento da súmula?
R:
Entendemos que sim. A possibilidade de revisão e de cancelamento de enunciados de súmulas vinculantes são, por assim dizer, uma “válvula de escape” para que não ocorra a petrificação da jurisprudência. Por outro lado, como o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal – inclusive o decorrente da aprovação de enunciados de súmulas vinculantes – não se aplica ao próprio Supremo, entendemos que a Suprema Corte, por meio de seus Ministros, poderá, de ofício, propor a revisão ou o cancelamento de enunciados que se mostrem, no futuro, obsoletos ou desnecessários. Os casos que reclamam a revisão ou o cancelamento de enunciados de súmulas podem ser vários: mudanças jurídicas e fáticas substanciais da questão tratada pela súmula a ser revista ou cancelada (que, entendemos, abrange não só alterações na legislação tomada por base na série de entendimentos que deu fundamento à edição de um determinado enunciado de súmula vinculante, como também a mudança de rumos da jurisprudência sobre a matéria envolvida); mutações na interpretação constitucional causadas pela evolução histórica e social, permitindo a indução de valores diferentes de um mesmo texto positivado; etc.

4- A Lei 11.417/06 contém algum dispositivo que tenha por essência evitar que a má-redação existente no enunciado de súmulas comuns de jurisprudência, contamine a súmula vinculante?
R:
Não, e esta é uma omissão que, no nosso entender, o legislador não poderia ter cometido. Desde a 1a edição de nossa obra defendemos a idéia de que seria imprescindível a previsão de uma espécie de recurso ao Plenário do STF em face de eventual redação deficiente de enunciado de súmula vinculante aprovado, nos mesmos moldes dos embargos de declaração da lei processual civil. Ou seja, seria de vital importância que a lei previsse um instrumento normativo de integração que possibilitasse ao Relator do enunciado aprovado a reanálise do mesmo se, dentro de um determinado prazo, se constatasse que aquele enunciado não refletiu o teor dos julgados que lhe deram origem, apresentou redação deficiente, obscura ou contraditória, ou ainda quando o enunciado aprovado tenha sido omisso em relação a pontos que, relevantes nos acórdãos paradigmas, deveriam constar de sua redação. Lembramos que, no passado, a edição de súmulas jurisprudência comuns com redações deficientes – como, p.e., a Sumula 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos e, mais recentemente, a Súmula 111, do STJ (que, aliás, viu-se obrigado a revisá-la) –, sem efeito vinculante, causou sérios transtornos aos operadores do Direito no país basicamente em razão das interpretações dúbias que elas permitiam, causando insegurança jurídica ao sistema judiciário como um todo. Imagine se isso ocorre com um enunciado de súmula vinculante? Esperamos que quando forem feitas as alterações no RISTF para disciplinar o procedimento de edição, revisão e cancelamento de enunciados de súmulas vinculantes, seja introduzido algum dispositivo de integração tal qual o acima sugerido. Para o bem da segurança jurídica.

5- Na construção e elaboração de uma súmula de natureza vinculante existe relevância o caráter idiossincrático dos liames constituídos entre as partes, ainda que as ações apresentam similares "requisitos objetivos de constituição"?
R:
Segundo o enunciado do artigo 103-A e seu parágrafo 1º, a súmula vinculante terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, em matéria constitucional, de modo que, a exemplo do que ocorre no controle concentrado de constitucionalidade das leis, o exame da matéria dar-se-á de forma mais abstrata possível. As idiossincrasias próprias do julgamento de casos concretos, embora tenham importância maior no julgamento dos processos repetitivos, não terá, assim, forte influência na construção e na elaboração de uma súmula de natureza vinculante. Afirmamos que não haverá “forte” influência para não afastar a existência de uma pequena parcela de importância, pois qualquer manifestação do Direito, até as normas mais genéricas e abstratas, contém interferência fática. Basta lembrar a prestigiosa teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale.

6- A súmula vinculante representaria o início da mecanização/automação no processo de produção de sentenças judiciais, em detrimento do fim da subjetividade humana como pressuposto natural para julgamentos?
R:
Não acreditamos nisso. Se você pensar bem, a utilização dos mecanismos da informática – mormente os processadores de textos, que permitem o armazenamento e a fácil recuperação e reutilização de idéias anteriormente desenvolvidas pelo magistrado – poderia ser um instrumento de mecanização e automação no processo de produção de despachos, decisões e sentenças. Preferimos analisar a questão, todavia, sob uma outra ótica: a de que as novas tecnologias de informação e comunicação são, antes, instrumentos de agilização do processo de produção de atos judiciais. Cabe ao próprio magistrado, nesse caso, evitar, a todo custo, a banalização de sua atividade judicante. De que maneira? Analisando, sem preguiça, o processo que tem em mãos para julgar. A existência de um enunciado de súmula vinculante que cuida de questões por ele analisadas no julgamento de uma lide não pode ser usada como desculpa para que ele deixe de apreciar com o devido cuidado as questões suscitadas nos autos. Isso porque ele poderá, inclusive, deixar de aplicar a súmula vinculante ao caso, desde que demonstre a inaplicabilidade do enunciado existente. A existência de súmulas vinculantes não afeta em nada a subjetividade humana presente nos julgamentos. Elas apenas passam a ser mais um fator a ser considerado pelo magistrado na formação de seu convencimento ao prolatar uma sentença. Assim como a lei, a jurisprudência, os princípios gerais do direito...

7 – O Supremo Tribunal Federal já editou alguma súmula vinculante?
R:
Sim, atualmente (13/05/08) a nossa Suprema Corte já produziu seis súmulas vinculantes, que tratam de matérias variadas, úteis para o enfrentamento pelo Poder Judiciário dos julgamentos repetitivos. A existência fática das súmulas vinculantes já confere utilidade maior de nossa obra, porquanto as questões e indagações sobre a validade de seus enunciados encontram motivos para existirem na seara forense, principalmente por se tratar de um instituto relativamente novo, cujos efeitos e conseqüências práticas ainda estão para ser medidos.