Entrevista com o Autor


Dra. Mônica Bonetti Couto
em 30/07/2008

Recurso Adesivo

Mônica Bonetti Couto é Mestre e Doutoranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP) e da Escola Superior de Advocacia (OAB-SP) em São Paulo. Advogada. Autora da obra “Recurso Adesivo – Um exame à luz da Teoria Geral dos Recursos”, livro integrante da coleção Biblioteca Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim.

 

1- O que a motivou a compor tal obra com esse tema?
R:
O tema “recursos” sempre me atraiu imensamente. O assunto tem merecido, aliás, e já há algum tempo, atenção de importantes setores doutrinários. Acredito que estudos e reflexões em torno do tema têm assumido redobrada relevância no cenário atual, tendo em vista o imenso volume que sobrecarrega o Poder Judiciário brasileiro, e a necessidade de pensarem-se soluções.
As excelentes obras específicas sobre o tema ‘Recurso Adesivo’ foram escritas na década de 70, tão logo o CPC entrara em vigor. De lá para cá, pouca atenção se dedicou ao assunto. Acredito que a “brecha” existente justificava um trabalho, uma obra, com a abordagem que procurei dar.

2- É verdade que os recursos estão “na ordem do dia” dos assuntos relacionados com o Poder Judiciário. E, nesta senda, vieram a lume importantes reformas no âmbito dos recursos e dos volumes de processos, tais como as novidades da Emenda Constitucional 45, que foram a repercussão geral e a Súmula Vinculante. A instituição de instrumentos como esses têm o nítido objetivo de “destravar” o Judiciário. Mas, ao mesmo tempo, são alvos de duras críticas, no sentido de um possível engessamento dos juízes, alertando-se para os riscos de sua adoção. Qual a sua opinião a respeito?
R:
Penso que essas reformas, que há muito vem sendo implementadas, a partir da identificação dos chamados “pontos de estrangulamento” no processo civil (CPC), dentre os quais se insere o problema dos recursos, são altamente saudáveis e eficazes aos seus propósitos, dentro do nosso sistema. Particularmente em relação à repercussão geral e à Súmula Vinculante, tenho a mesma opinião. No ano de 2006, para citar um exemplo apenas, o STF recebeu cerca de 130 mil processos. É um número inimaginável, realmente assustador, especialmente para uma Corte Constitucional, dedicada à manutenção e garantia da Supremacia da Constituição Federal. Ou seja, imagina-se que uma Corte detentora de tão relevante função dedique-se a causas realmente ‘extraordinárias’, de importância superior e interesse nacional. Infelizmente, não era o que ocorria. Via-se o STF julgar, fazendo às vezes de uma terceira instância, ou até quarta, causas de reduzidíssima importância e conotação social: brigas de vizinhos, furto de vaca... Neste sentido, acredito que a instituição da repercussão representa um avanço, o que é feito inclusive com base (no sucesso da) na experiência estrangeira. A instituição desse filtro terá o condão de reconduzir o STF à sua genuína e relevância posição: de Corte Suprema, guardiã da Constituição.
Vale lembrar também a quantidade de processos que sobrecarregam o Judiciário, envolvendo assuntos por vezes (ou no mais das vezes) repetitivos. Basta pensar no FGTS e na correção das contas. Daí a importância, para referir uma das vantagens da sua adoção, da Súmula Vinculante. Não se justificam as causas, em tal volume, de natureza idêntica, com o mesmo pedido, mesmo fundamento. Deve-se deixar que o Poder Judiciário tenha mais tempo para dedicar-se às causas urgentes, às demandas exijam uma mais profunda reflexão.
A crítica que já ouvi, a respeito da repercussão geral, parte de uma perspectiva um pouco desvirtuada. Acredito que esteja fulcrada na falta de confiança no Poder Judiciário. Não se confia nessa possibilidade porque se acredita ou afirma que o Judiciário erra, é corrupto. Penso, neste sentido, que não se pode tomar a exceção como regra. Infelizmente os juízes de primeira instância gozam de um desprestígio descomunal, de uma diminuição crescente de poder. Penso que as coisas não podem ser consideradas sob essa perspectiva. Deve-se, ao contrário, atribuir maior peso e autoridade às decisões de primeiro grau, ou seja, a primeira instância deve ser fortalecida ou, como já disse o professor Barbosa Moreira, o primeiro grau deve (voltar a) ser o centro de gravidade do processo.
É claro que uma alteração legislativa é insuficiente. É um importante passo, mas a ele se devem conjugar outras. O (melhor) aparelhamento do Judiciário, a capacitação e atualização dos funcionários e juizes, estimularem-se cada vez mais a utilização das soluções alternativas de conflitos, e assim por diante. Acredito que o problema passa também (e a sua solução) por uma alteração ‘cultural’, por assim dizer. Não se pode acreditar, como um dogma, na idéia de que todo o problema, toda a “briga” ou desentendimento, tem que parar no Judiciário.


3- Dentro desse cenário, qual o papel do recurso adesivo? Qual a relevância do tema eleito?
R:
Como procurei registrar anteriormente, é tendência corrente a de repensar-se o sistema recursal, com o objetivo de diminuir seu número ou de minorar o peso de sua significação, no quadro geral do processo civil. E, sem dúvida, no âmbito de uma das soluções do ‘desafogamento’ do Judiciário e notadamente dos Tribunais, se insere o Recurso Adesivo, cuja finalidade é a de contribuir para que o processo possa terminar depois de uma decisão que, potencialmente, possa satisfazer os litigantes. Se um deles recorrer, então, e, apenas em função disso, o outro recorrerá, postergando, assim, o advento do trânsito em julgado.
É dizer, inclinada a aceitar a decisão proferida, ainda que não inteiramente favorável ou benéfica aos seus interesses, a parte sucumbente conforma-se com a decisão - a despeito de não se lhe afigurar a ‘melhor’ ou a ‘desejada’ - com o intuito de antecipar a solução final do litígio, o trânsito em julgado do processo. Agirá apenas e tão somente se a outra parte o fizer também, evidenciando que o efeito causado pela admissão do recurso adesivo em um sistema jurídico (tal como o nosso, que acolheu o instituto com o advento do Código de Processo Civil de 1973) é, nitidamente, a diminuição do número de recursos.


4- Qual a razão da opção ---- anunciada pelo próprio título ----- por um exame e uma leitura do assunto à luz da teoria geral dos recursos?
R:
De fato, este trabalho propõe-se a examinar a disciplina do recurso adesivo no sistema jurídico brasileiro e, mormente, o seu perfil nos dias atuais, a partir de uma perspectiva mais ampla, a da teoria geral dos recursos. Conquanto o recurso adesivo não consubstancie uma nova modalidade recursal, ou, melhor dizendo, um “recurso-tipo”, possui a natureza de recurso, e, portanto, submete-se aos princípios e à disciplina estabelecida para os recursos propriamente ditos. Daí por que me pareceu pertinente uma abordagem inicial dos pontos cardeais da teoria geral dos recursos --- sem pretensão alguma de exauri-lo ----, mas apenas uma visão panorâmica dos assuntos: conceito e finalidade do recurso, juízos de admissibilidade e mérito e, por fim, requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos.
A partir da necessária contextualização do assunto, adentra-se, então, no tema principal, cujo exame (problematizado e com enfrentamento da jurisprudência mais recente) é enormemente facilitado pelas premissas colocadas no capítulo precedente (destinado à análise da teoria geral dos recursos). É que o recurso adesivo encontra-se sujeito aos mesmos requisitos de admissibilidade do principal, a saber: cabimento, legitimidade, interesse (requisitos intrínsecos) e, ainda, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato extintivo ou impeditivo do poder de recorrer (requisitos extrínsecos). E, ademais, aplicam-se-lhe não apenas as regras relativas aos pressupostos de admissibilidade, mas, de igual modo, as previstas para o julgamento do recurso principal.

5- A autora poderia esclarecer melhor o que foi dito na resposta à indagação anterior? O recurso adesivo não é, então, uma modalidade recursal?
R:
Realmente, o recurso adesivo não é uma “nova” ou “outra” modalidade recursal como o seu próprio designativo sugere. É, sim, forma de interposição daqueles recursos previstos no Código de Processo Civil (mais precisamente, os indicados no rol do art. 500 e, em minha opinião, como procuro esclarecer no trabalho, também o recurso inominado, interposto no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis). Esse ponto é assente na literatura. Ademais, é bom frisar outro ponto. Aquele que recorre adesivamente, em realidade, não adere ao recurso da parte contrária. Ao contrário, por meio do recurso adesivo, contrapõe-se à pretensão da outra parte, objetivando a obtenção de um resultado ou posição mais favorável em relação ao que é objeto de sua impugnação, não podendo dizer que ele, recorrente adesivo, associa-se à pretensão de seu adversário. Por isso, em nosso sentir, o designativo mais apropriado para o instituto seria recurso subordinado. Mas o legislador não trilhou esse caminho, optando pela denominação recurso adesivo (art. 500, CPC).


6- Qual a relação que se pode estabelecer entre o efeito devolutivo dos recursos (especialmente os recursos excepcionais) e o interesse para o recurso adesivo?
R:
Realmente, a verificação do interesse para a apresentação do recurso adesivo prende-se de uma maneira muito peculiar ao efeito devolutivo (e translativo) dos recursos. Se a matéria já foi devolvida ao órgão ad quem, em conseqüência da interposição do recurso independente, fica sem razão ou sentido (falecendo o interesse) o oferecimento do recurso adesivo. Esta afirmação está corretíssima quando falamos, por exemplo, em apelação. Mas pecará por imprecisões gravíssimas se estivermos diante dos chamados recursos extraordinários (cujo âmbito de devolutividade é muito mais estreito).
Assim, por exemplo, em ação de cobrança em que o réu contesta alegando pagamento e prescrição, se a mesma tivesse sido julgada procedente, mas, reformada pelo Tribunal, reconhecendo-se ter havido o pagamento, ao réu, em princípio, falecerá interesse para recorrer.No entanto, essa situação se modificará substancialmente se, no prazo do recurso independente, o autor vier a oferecer recurso especial. Nesse caso, então, o réu se encontrará na iminência de ver o resultado, até então a ele favorável (=acolhimento da tese do pagamento), alterado. Em função dessas circunstâncias, assiste-lhe o direito de interpor o recurso adesivo, para levar ao Tribunal a matéria relativa à prescrição. Trata-se – não há dúvida – de uma hipótese excepcionalíssima de interposição de recurso, em que não apenas se dispensa um requisito de admissibilidade do próprio recurso adesivo, consistente na sucumbência recíproca, mas também, especialmente, essa excepcionalidade diz respeito à circunstância desse recurso acabar dirigindo-se contra um fundamento.
Por esse motivo é que me parece que o interesse para recorrer, quando falamos no recurso adesivo, tem perfil pouco diverso, na medida em que também se prestará a assegurar ou manter uma situação, e não “apenas” para melhorar a condição que se tem. Ou seja, a parte pode interpor recurso adesivo não (apenas) objetivando sagrar-se vencedora (ou em situação mais vantajosa), mas também com o intuito de manter-se como tal. Parece então haver uma atenuação quanto à exigência do pressuposto de cabimento do recurso adesivo consistente na sucumbência recíproca.