Entrevista com o Autor


Jordano Copetti
em 17/09/2008

Dificuldades de Aprendizado - Manual para Pais e Professores

 

Jordano Copetti é médico psiquiatra, especialista em psiquiatria da infância e adolescência e neuropsicologia. Dedica-se à pesquisa e à clínica dos transtornos de aprendizado e de outros problemas cognitivos da infância, como TDAH, Autismo e atrasos no desenvolvimento. Fundou o Centro de Atenção, Memória e Aprendizado, que realiza pesquisa, avaliação e reabilitação cognitiva na área dos transtornos do aprendizado e da neuropsiquiatria. Autor da obra "Dificuldades de Aprendizado - Manual para Pais e Professores".

Entrevista: Ana Navarro

 

1- O livro traz algum novo conceito ou teoria?
R:
Sim. Os transtornos de aprendizado são doenças biológicas. São tanto problemas de educação como de saúde. Eu questiono o distanciamento que a Medicina tem em relação a doenças altamente prevalentes e a forma errada que médicos e outros profissionais abordam o assunto. Demonstro que estes transtornos são decorrentes de DÉFICITS NAS FUNÇÕES COGNITIVAS (linguagem, memória, funções visuoperceptivas, pensamento lógico, funções executivas, atenção), explicando em linguagem acessível, porém mantendo um padrão científico, como são estas funções, o que ocorre quando estão deficitárias, cito casos clínicos, sintomas encontrados em sala de aula e formas de tratar.


2- O que o público pode encontrar de diferencial na obra?
R:
O que citei na pergunta acima é um diferencial. Nenhuma obra no Brasil tem este enfoque. Mas o ponto principal são as dicas para que pais e professores identifiquem nas crianças estas funções deficitárias e as mais de 100 estratégias e técnicas para que pais e professores ajudem estas crianças a melhorarem. No Brasil não há um livro ao mesmo tempo técnico e científico e que mostra formas práticas e acessíveis de tratamento para serem realizadas em casa.


3- De que forma os pais podem interferir positivamente processo de aprendizado?
R:
O livro mostra que os pais podem interferir positivamente de várias formas:
a) o Evitando rotular a criança com adjetivos errôneos que são prejudiciais para sua auto-estima e desempenho, como preguiçoso, lento, burro, vadio, irresponsável, etc.
b) o Advogar a favor dos filhos para que as escolas utilizem métodos adequados e estratégias corretas de ensino e avaliação.
c) o Demonstrar conhecimento frente aos profissionais das áreas da educação e saúde que tratam seu filhos, exigindo tratamentos ou encaminhamentos adequados, o que raramente é feito no Brasil por desconhecimento completo do tema por pais e, principalmente, profissionais como neurologistas, pediatras, psiquiatras, psicólogos, etc...
d) o Treinando a criança em casa com estratégias práticas e fáceis de empregar que vão fortalecer suas funções cognitivas e melhorar seu desempenho escolar.


4- Qual é o perfil do(a) aluno(a) brasileiro(a)?
R:
Os problemas de aprendizado são uma verdadeira epidemia. As estatísticas mostram que cerca de 20% das crianças americanas apresentam algum problema de aprendizado. No Brasil, onde os índices de pobreza são muito maiores, estima-se que 30 a 40% das crianças tenham algum problema no aprendizado. Como os transtornos de aprendizado são considerados doenças, podemos afirmar que estamos diante de um grave problema de saúde pública. Nenhuma doença acomete percentagem tão elevada da população.


5- Por que há baixo desempenho em língua portuguesa e matemática dos alunos do Ensino Fundamental?
R:
O problema é anterior a isto. Estes alunos já tiveram problemas para se alfabetizar, e, se formos retroagir para a pré-escola, vamos ver que eles já apresentavam déficits cognitivos nesta fase, ou seja, já apresentavam os déficits que vão ser responsáveis pelos futuros problemas de aprendizado. Por isto, eu enfatizo no livro, além da remediação nas crianças maiores, a PREVENÇÃO dos problemas de aprendizado. Defendo no livro que é possível prevenir se soubermos o que examinar nas crianças pré-escolares e mostro os recentes achados das neurociências que permitem detectar as crianças em risco de falharem na escola ainda no jardim de infância.
É verdade que o mau do desempenho no ensino fundamental (e em todos os demais níveis) se deve em grande parte a estas crianças que apresentam problemas e não são avaliadas, diagnosticadas e nem tratadas (o máximo que recebem são aulas de reforço, que de nada adiantam, pois as causas básicas não foram avaliadas e nem tratadas). Também o mau desempenho se deve a outros fatores, como a má qualidade de ensino, o nivelamento por baixo, professores mal preparados e mal-remunerados e uma orientação totalmente inadequada quanto ao conteúdo das matérias, descolado e distante da realidade das crianças.


6- A repetência é uma das principais causas da distorção idade/série, que ainda encontra-se em níveis elevados principalmente nas regiões Norte e Nordeste. A que se deve este problema?
R:
A incapacidade que as crianças têm de aprenderem e de se motivarem a aprender. Existe uma elevada taxa de repetência, mas o surpreendente não é a alta taxa de repetência, o surpreendente é que ela DEVERIA SER AINDA MAIOR DO QUE É! Encontro diariamente na clínica crianças que estão na 3.ª ou 4.ª série e mal conseguem soletrar as palavras, ainda fazem somas simples contando nos dedos ou fazendo tracinhos no papel. Se o conhecimento fosse levado a sério para alguém ser aprovado, a repetência nas escolas públicas alcançaria 50% ou mais.
A repetência não é em si mesma um problema. Tanto faz o aluno repetir de ano como ir seguindo adiante mesmo sem ter condições, em ambos os casos a criança permanece com suas dificuldades, pois não é a repetição que soluciona o problema, ela é só um sinal de alerta para que as verdadeiras causas sejam buscadas e tratamentos realmente eficazes sejam empregados.


7- O senhor acredita que o grau de escolaridade dos pais dos alunos está diretamente relacionado ao processo de aprendizagem?
R:
Com certeza está. Vários fatores estão associados a isto: quanto menor o nível de escolaridade dos pais, menor o estímulo cultural em casa; se os pais estudaram pouco, é provável que também tenham tido dificuldades de aprendizado, e estas dificuldades são claramente hereditárias (genéticas); a escolaridade está altamente relacionada com o nível sócio-econômico, assim estes pais tendem a ter menores condições financeiras ou viverem na pobreza, resultando num ciclo de baixo estímulo intelectual, ambiente pobre culturalmente, déficits cognitivos de origem hereditária, nutricional ou por doenças e escolas e professores pouco capacitados. Tudo isto gera a manutenção da criança dentro de sua classe social, sendo incapaz de avançar, resultando nos baixos índices de desempenho que o Brasil tem em provas internacionais e na manutenção da pobreza do país. Afinal, sabemos que os países que se desenvolveram rapidamente (Coréia do Sul, China e Japão) investiram pesado na educação.