Entrevista com o Autor


Dra. Lucia Cavalcanti de Albuquerque Williams
em 22/04/2009

Prevenção do Abuso Sexual Infantil

 

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams é Psicóloga; Professora Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Diretora da Unidade Saúde- Escola (2005 a 2008); Coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV); Pesquisadora do CNPq.

Eliane Aparecida Campanha Araújo é Psicóloga, Mestra e Doutora em Educação Especial (UFSCar); Pesquisadora PRODOC/CAPES (2003-2007), Bolsista Pós-Doutorado FAPESP/LAPREV/UFSCar.
 



1- Qual público esta obra visa preferencialmente atingir e qual objetivo?
R:
A obra pretende atingir os educadores (pais, professores, etc....), profissionais da saúde e da área jurídica, bem como todas as pessoas comprometidas com a promoção e defesa dos Direitos Humanos com objetivos de prevenir e combater o abuso sexual como uma das modalidades de violência contra a criança ou adolescente. O fenômeno da violência pode ser considerado como um grave problema social, de violação dos direitos humanos, além de ser um sério problema de saúde e de política pública.

2- Como a Srª analisa sob o enfoque de sua obra, o caso da do abuso sexual sofrido por uma criança em Pernambuco, ficando grávida de gêmeos e a repercussão do envolvimento da Igreja condenando o aborto terapêutico?
R:
A Igreja precisa repensar o seu papel e envolvimento em casos como esse que violam a dignidade do ser humano e sua condição de cidadania. Não cabe a ela julgar. A decisão envolve vários âmbitos: família, saúde, jurídico, educação. Todos os setores da sociedade precisam estar articulados, tendo em vista o combate e a prevenção do abuso sexual contra crianças. Uma vez que é a preservação e a promoção da vida que a Igreja defende como princípios cristãos fundamentais e inalienáveis, a criança que sofreu abuso sexual e teve como conseqüência uma gravidez indesejada, não pode correr risco de vida e a sua integridade precisa ser assegurada. É prevenir as seqüelas (físicas, emocionais, psicológicas) que um evento estressor dessa natureza pode acarretar nessa criança. Felizmente existem alternativas (como o suporte familiar e psicoterapia) de modo que os danos ocasionados não sejam tão graves. Ademais, há leis precisas no país sobre o aborto em situações como essa. Os profissionais de saúde que conduziram o aborto, antes de tudo cumpriram a lei e a ética profissional. Na verdade, a Igreja perdeu uma ótima chance de mostrar que acompanha os tempos, mostrando compreensão e sensibilidade com a tragédia vivida pela criança vítima de abuso.

3- Que considerações a Srª pode aduzir a respeito do constante aumento do número de denúncias de abuso sexual infantil , tendo em vista a erotização precoce de crianças e adolescentes ?
R:
A mídia e seus diversos veículos de comunicação (impressa, falada, internet  têm um grande papel no enfrentamento da violência contra a criança, seja atuando por meio de campanhas educativas, seja por meio de programas que contribuam para o acesso das pessoas a informações adequadas e atualizadas, no que concerne ao combate e à prevenção desse grave problema social. Seria importante ampliar esse debate, pois no geral em nossa realidade os meios de comunicação não percebem a relação entre erotização precoce e abuso sexual.

4- Como a Srª e seus colaboradores receberam e perceberam a aprovação do Projeto de Lei 3.773/08, que qualifica e determina punição para crimes de pedofilia na internet?
R:
A lei é muito importante, pois visa inibir, reduzir ou eliminar a ocorrência de tais casos, porém, ela precisa ser cumprida, ser concretizada, de fato, na prática. Só assim ela terá um efeito disciplinar, punitivo para o agressor e de proteção às potenciais vítimas. De qualquer modo trata-se de um avanço, uma vez que a lei não acompanhava um tipo de delito cada vez mais freqüente em que, infelizmente, o Brasil é um dos países que mais o pratica.

5- Uma vez que as causas da pedofilia são desconhecidas, a Srª vislumbra a possibilidade de algum tipo de tratamento além da ação coercitiva do Estado, na tentativa de inibir o número de denúncias de abuso sexual infantil?
R: 
Embora não saibamos tudo o que é preciso saber sobre a pedofilia, temos alguns conhecimentos seguros. Uma história de vitimização sexual grave e repetitiva na infância – sem acompanhamento ou tratamento – parecer ser um fator de risco sério para o problema. Outro fator de risco é a exposição á pornografia infantil na mesma época. Além da punição exemplar do agressor ou ofensor sexual, prevista em lei, há necessidade de seu tratamento psicológico. Tal tratamento não é fácil, devendo ser altamente especializado, ou seja conduzido por pessoas com competência na área.

6- Como enfrentar o silêncio nos casos de violência sexual na família ?
R:
As famílias precisam ser orientadas a denunciar e procurar ajuda profissional. Devem saber que o silêncio só agrava a situação e pode acarretar reincidências do abuso sexual. Os profissionais diretamente envolvidos com a acolhida e atendimento do caso devem ser preparados, sejam eles professores, profissionais da saúde, policiais, Ministério Público e Juizado, enfim, todos devem ser capacitados para o enfrentamento do problema. No caso dos professores, estes não devem assumir uma postura investigativa. Eles têm que aprender a identificar, notificar e encaminhar a criança para os serviços de proteção na comunidade. Cabe à escola o importante papel de prevenção da violência e esta não pode se omitir diante da gravidade dessa realidade.

7- Que medidas sócio-educativas a Srª aconselha ser pertinentes para a capacitação dos pais e educadores acerca do abuso sexual infantil?
R:
Os pais devem ser orientados no sentido de prevenir o abuso sexual em relação às crianças. Devem aprender e ensinar às crianças um conjunto de habilidades sociais importantes tais como: assertividade, habilidades de auto-proteção e de revelação. Os educadores em geral podem ser capacitados para esse conjunto de habilidades. Portanto, cursos de capacitação voltados aos profissionais e grupos de orientação de pais são algumas das medidas importantes que devem ser planejadas, implementadas e cada vez mais incentivadas. Há um paradoxo que esse fenômeno tão complexo pode ser prevenido ensinando-se habilidades bem simples á criança – e se ela for pequena não é preciso falar em sexo, basta ensinar a discriminar quando um adulto faz alguma coisa que ela não gosta ou não se sente bem.

8- Quais os sintomas são passíveis de identificação em uma criança abusada sexualmente?
R:
 A criança vítima de abuso sexual apresenta uma série de alterações comportamentais que podem indicar tal abuso. Podemos exemplificar, entre tais alterações, comportamentos sexualizados ou conhecimento, distúrbios do sono e da alimentação, o isolamento social, o retraimento, os problemas de aprendizagem na escola, agressividade e até a ideação suicida. Muitos de tais sintomas ocorrem em função de outros problemas ou eventos traumáticos, portanto um especialista deve orientar em caso de dúvidas.

9- Que atitudes pais e educadores podem adotar visando a prevenção do abuso sexual infantil?
R:
Orientação e supervisão dos seus filhos: saber com quem estão, quem são tais pessoas (muitas vezes o agressor sexual é um membro da própria família muito mais do que um estranho); ensinar habilidades de auto-proteção e de revelação (não guardar certo tipo de segredo) e oferecer todo o apoio de que elas necessitam caso o pior aconteça.