Entrevista com o Autor


Haroldo Caetano da Silva
em 30/04/2009

 ENSAIO SOBRE A PENA DE PRISÃO

 

Haroldo Caetano da Silva é Mestre em Direito (Ciências Penais), pela Universidade Federal de Goiás; Promotor de Justiça junto à Vara da Execução Penal de Goiânia; Professor do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Goiás; membro do Conselho Editorial da Revista Magister de Direito Penal e Processo Penal; membro do GEPeC – Grupo de Estudos e Pesquisas Criminais; membro da Comissão de Fomento e Implementação dos Conselhos da Comunidade (Depen – Ministério da Justiça); membro do Ministério Público do Estado de Goiás; Graduado em Direito pela Universidade Católica de Goiás. Livros publicados: Manual da Execução Penal, Campinas: Bookseller, 2001; Embriaguez & a Teoria da Actio Libera In Causa, Curitiba: Juruá, 2004; Execução Penal, Porto Alegre: Magister, 2006.

 


1- Qual sua opinião a respeito do projeto de lei que visa instituir a redução da maioridade penal ?
R:
O recorrente debate sobre a redução da maioridade penal é desprovido de sentido. No Brasil, o indivíduo com 12 anos de idade pode ser responsabilizado pelos seus atos, inclusive com uma resposta punitiva severa, qual seja, a privação da liberdade do adolescente. Embora intitulada “internação”, como modalidade de medida “sócio-educativa”, não se pode afastar o caráter retributivo e punitivo desse instituto previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
De qualquer sorte, as iniciativas voltadas à redução da maioridade penal, para fazer com que o sistema penal convencional alcance o jovem com 16 ou 14 anos, esbarram ainda na manifesta falta de legitimidade, pois um Estado com tamanha dívida social, caso do Brasil, especialmente pela ausência de políticas educacionais efetivas, carece de autoridade moral para responsabilizar os adolescentes pelo descaso e pela omissão do poder público, muitas vezes materializados no ato infracional.


2- Que principais alterações precisam ser adotadas no atual sistema prisional brasileiro, com vistas a este sistema efetivamente atuar como agente de recuperação e reintegração dos detentos ?
R:
O objetivo ressocializador é estranho à privação da liberdade. Aliás, este é o tema central de nosso Ensaio sobre a pena de prisão, que propõe uma visão crítica sobre o assunto. A prisão é castigo. Nada mais que retribuição pelo crime praticado. Não se ressocializa o homem com a sua retirada da vida em sociedade; tampouco se educa o sujeito mediante ato de violência (a prisão). O sistema punitivo alcançará avanços a partir do momento em que a prisão vier a ser liberada desse pesado fardo da ressocialização. E, reconhecida essa verdade – de que a pena é somente castigo – abre-se espaço então para uma melhor discussão sobre pontos importantes, como a humanização das prisões e a proporcionalidade das penas, por exemplo.

3- De que maneira pode-se inserir no direito penal um regime constitucional protetivo eficaz, em face das atuais necessidades e clamores da sociedade brasileira ?
R:
A dignidade humana é o princípio que deve nortear a política criminal. Não se faz segurança pública, tampouco se obtêm resultados exitosos nessa política, com a negação da condição humana, particularmente daquele que é levado ao cárcere em razão de prática criminosa. Além do mais, o direito penal não é panacéia. Tem sim sua importância, mas sua função é residual na construção de uma sociedade melhor, o que exige também a atuação do poder público em setores sensíveis, com realce para o necessário compromisso com a educação de qualidade para todos.


4- Como o Sr. analisa a atuação da assistência jurídica gratuita? Este instrumento jurídico contempla satisfatoriamente o propósito a que se destina ? Quais medidas seriam necessárias com vistas ao seu aperfeiçoamento ?
R:
Não se faz justiça onde não existe uma defesa qualificada. A justiça se sustenta em um tripé (acusação, juiz, defesa) e, ausente uma defensoria efetiva, o resultado que se terá no processo penal nem sempre poderá ser denominado de “justiça”.
Impõe-se a instalação e estruturação da Defensoria Pública em todos os Estados brasileiros, com especial destaque para a atuação criminal e para a defesa da grande massa atualmente encarcerada no Brasil, já beirando a meio milhão de presos.


5- Como o Estado pode minimizar as desigualdades do sistema prisional em face da exclusão econômica ?
R:
O Brasil tem um sistema prisional criminoso, torturador, violador dos mais elementares direitos da população encarcerada. A questão não é minimizar desigualdades, mas sim efetivar a garantia dos direitos humanos fundamentais do preso, mediante a implementação de políticas penais e penitenciárias racionais, fundadas principalmente no princípio da dignidade humana.


6- A sociedade tem se manifestado com veemência contra a impunidade e a insegurança a ponto de exigir leis mais severas e de pronta eficacia. Como conciliar estes anseios em face da precariedade do sistema prisional brasileiro ?
R:
Instalou-se um círculo vicioso no qual eventual crime de repercussão midiática leva a propostas de alteração da lei penal que, por sua vez, não resolve o problema, levando diversamente a mais violência e criminalidade. Deve-se romper com essa prática irracional. A norma penal, por si só, não produz segurança e paz. A discussão deve ser trazida para um nível de serenidade e responsabilidade, o que aliás já ocorre em alguns espaços, pois a ciência penal tem se aperfeiçoado no Brasil, carecendo talvez de ambiente para a inclusão de seus conceitos e propostas na política penal e penitenciária.

7- Qual a sua opinião a respeito das propostas de privatização do sistema carcerário ?
R:
Mantido o modelo atual do sistema punitivo brasileiro, que leva para a mesma prisão tanto o homicida e assaltante quanto o camelô que vende cd’s piratas, não se vislumbra solução com medidas pontuais e de alcance limitado, como é a proposta de privatização. Impõe-se primeiro melhor estabelecer o papel do sistema penal e torná-lo um pouco mais racional para, assim, viabilizar a humanização dos nossos presídios.
A gestão penitenciária, seja pública ou privada, pressupõe recursos suficientes para o funcionamento das prisões dentro de condições minimamente aceitáveis.